domingo, 4 de novembro de 2012

Papos

“- Me disseram...
- Disseram-me
- Hein?
- O correto é ‘disseram-me’. Não ‘me disseram’.
- Eu falo como quero. E ti digo mais... Ou ‘digo-te’?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O ‘te’ e o ‘você’ não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você tá sendo grosseiro, pedante e chato. E que vou ti partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Partir-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mas uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Matar- lhe- ei- te. Ouviu bem?
- Eu só estava querendo...
- Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é para elitismo.
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem- me?
- No caso... Não sei.
- Ah, não sabes? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como ‘esquece’ ou ‘esqueça’? Ilumine-me. Mo diga. Ensines-lo-me, Vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesse, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-eia.
- Por quê?
- Porque, como todo esse papo, esqueci-lo.”
Veríssimo, Luís Fernando Veríssimo, in Novas comédias da vida pública – a versão dos afogados

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