domingo, 11 de novembro de 2012

Dezesseis chopes



A conversa já passara por todas as etapas por que normalmente passa uma conversa de bar. Começara choca, preguiçosa. O mais importante, no princípio, são os primeiros chopes. A primeira etapa vai até o terceiro chope.
Do terceiro ao quarto chope, inclusive, contam-se anedotas. Quase todos já conhecem as anedotas, mas todos riem muito. A anedota é só pretexto para rir. A mesa está ficando animada, isso é o que importa. São cinco amigos.
Eu disse que eram cinco à mesa? Pois eram cinco à mesa. Dois casados, dois solteiros e um com a mulher na praia - quer dizer, nem uma coisa nem outra. E entram na terceira etapa.
Durante o quinto e o sexto chope, discutem futebol. O que nos vai sair desse tal de Minelli? Olha, estou gostando do jeito do cara. E digo mais, o Grêmio não aguenta o roldão nesta fase do campeonato. Quer apostar? Não aguenta. Porque isto e aquilo, que venha outra rodada. E - escuta, ó chapa - pode vir também outro sanduíche aberto e mais uns queijinhos.
O sétimo chope inaugura a etapa das graves ponderações. Chega a Crise e senta na mesa. O negócio não está fácil, minha gente. Vocês viram a história dos foguetes? Na Europa, anda terrorista com foguete dentro da mala. Em plena rua! O nego entra num hotel, pede um quarto, sobe, abre a mala, vai até a janela e derruba um avião. Derruba um avião assim como quem cospe na calçada!
São homens feitos, homens de sucesso, amigos há muitos anos. Nenhum melhor do que o outro. A etapa das graves ponderações deságua junto com o nono chope, na etapa confidencial. Pois eu ouvi dizer que quem está por trás de tudo... Agora todos gritam, as confidências reverberam pelo bar. Os cinco estão muito animados.
Um deles ameaça ir embora, mas é retido à força. Outra rodada! Hoje ninguém vai pra casa. Começa a etapa inteligente. Todos dizem frases definitivas quem nenhum ouve, pois cada um grita a sua ao mesmo tempo. Doze chopes. Treze. Começa uma discussão, ninguém sabe muito bem se sobre palitos ou petróleo. A discussão termina quando um deles salta da cadeira, dá um murro na mesa e berra: "E digo mais!" Faz-se silêncio. O quê? O quê? "Eu vou fazer xixi..."
Com quinze chopes começa a fase nostalgia. Reminiscências, auto-reprimendas, os podres na mesa. As grandes revelações. Eu sou uma besta... Besta sou eu. Tenho que mudar de vida. Eu também. Cada vez mais me arrependo de não ter... de não ter... sei lá! E então um deles, os olhos quase se fechando, diz:
- Sabe o que é que eu sinto, mas sinto mesmo?
Ninguém sabe.
- Sabe qual a coisa que eu mais sinto?
- Diz qual é?
- Sabe qual o vazio que eu mais sinto aqui?
- Diz, pô!
- É que eu nunca tive um canivete decente.
O silêncio que se segue a esta revelação é mal compreendido pelo garçom, que vem ver se querem a conta. Encontra os cinco subitamente sóbrios, olhando para o centro da mesa com o ressentimento de anos. É isso, é isso. Um homem precisa de um canivete. Não de qualquer canivete, não desses que dão de brinde. Um verdadeiro canivete. Pesado, de fazer volume na mão, com muitas lâminas. Um canivete decente.
- Eu tive - diz, finalmente, um dos cinco. É uma confissão.
E os outros olham para ele como se olha para um homem completo. Ali está o melhor deles, e eles não sabiam.
Luís Fernando Veríssimo, in O gigolô das palavras

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