A
baratinha velha subiu pelo pé do copo quase cheio de vinho, que tinha sido
largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a
lambiscar o vinho. Dada a pequena distância, que nas baratas vai da boca ao
cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do
copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu
mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato
doméstico que sorria de sua aflição, no alto do copo.
-
Gatinho, meu gatinho – pediu ela –, me salva, me salva. Me salva que assim que
eu sair eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva. - Você
deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato. - Me saaalva! – implorou a
baratinha. – Eu prometo.
O
gato virou o copo com uma patada, o líquido escorreu e com ele a baratinha que,
assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na
gargalhada. - Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir
sua promessa? Você disse que deixava eu comer você inteira.
-
Ah, ah, ah! – ria então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a
ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral:
Às vezes a auto depreciação nos livra do pelotão.
Millôr
Fernandes, in Fábulas Fabulosas
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