Ninguém
no cais tem um nome só. Todos têm também um apelido ou abreviam o nome, ou o
aumentam, ou lhe acrescentam qualquer coisa que recorde uma história, uma luta,
um amor.
Iemanjá, que é
dona do cais, dos saveiros, da vida deles todos, tem cinco nomes, cinco nomes
doces que todo o mudo sabe. Ela se chama Iemanjá, sempre foi chamada assim e
esse é seu verdadeiro nome, de dona das águas, de senhora dos oceanos. No
entanto os canoeiros amam chamá-la D. Janaína, e os pretos, que são seus filhos
mais diletos, que dançam para ela e mais que todos a temem, a chamam de Inaê,
com devoção, ou fazem as suas súplicas à Princesa de Aiocá, rainha dessas
terras misteriosas que se escondem na linha azul que as separa das outras
terras. Porém, as mulheres do cais, que são simples e valentes, Rosa Palmeirão,
as mulheres da vida, as mulheres casadas, as moças que esperam noivos, a tratam
de D. Maria, que Maria é um nome bonito, é mesmo o mais bonito de todos, o mais
venerado, e assim o dão a Iemanjá como um presente, como se lhe levassem uma
caixa de sabonetes à sua pedra no Dique. Ela é sereia, é a mãe-d’água, a dona
do mar, Iemanjá, D. Janaína, D. Maria, Inaê, Princesa de Aiocá.
Ela
domina esses mares, ela adora a lua, que vem ver as noites sem nuvens, ela ama
as músicas dos negros. Todo o ano se faz a festa de Iemanjá, no Dique e em
Monte Serrat. Então a chamam por todos seus cinco nomes, dão-lhe todos os seus
títulos, levam-lhe presentes, cantam para ela.
O
oceano é muito grande, o mar é uma estrada sem fim, as águas são muito mais que
metade do mundo, são três quartas partes, e tudo isso é Iemanjá. No entanto,
ela mora é na pedra do Dique do cais da Bahia ou na sua loca em Monte Serrat.
Podia morar nas cidades do Mediterrâneo, nos mares da China, na Califórnia, no
mar Egeu, no golfo do México. Antigamente ela morava nas costas da África, que
dizem que é perto das terras de Aiocá. Mas veio para a Bahia ver as águas do
rio Paraguaçu. E ficou morando no cais, perto do Dique, numa pedra que é
sagrada. Lá ela penteia os cabelos (vêm mucamas lindas com pentes de prata e
marfim), ela ouve as preces das mulheres marítimas, desencadeia as tempestades,
escolhe os homens que há-de levar para o passeio infindável do fundo do mar. E
é ali que se realiza a sua festa, mais bonita que todas as procissões da Bahia,
mais bonita que todas as macumbas, que ela é dos orixás mais poderosos, ela é
dos primeiros, daqueles donde os outros vieram. Se não fosse perigoso de mais,
poder-se-ia mesmo dizer que a sua festa é mais bela que a de Oxolufã, Oxalá
velho, o maior e mais poderoso dos orixás. Porque é uma beleza na noite da
festa de Iemanjá. Nessas noites o mar fica de uma cor entre azul e verde,
a lua está sempre no céu, as estrelas acompanham as lanternas dos saveiros,
Iemanjá estira preguiçosamente os cabelos pelo mar e não há no mundo nada mais
bonito (os marinheiros dos grandes navios que viajam todas as terras sempre
dizem) que a cor que sai da mistura dos cabelos de Iemanjá com o mar.
Jorge
Amado, in Mar morto
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