Do jeito que as coisas vão, daqui a pouco será assim
“Quero
agradecer a todos os amigos que têm se empenhado de coração para me ver
candidato. Infelizmente não posso aceitar. Sei que os adversários de sempre vão
insinuar que essa minha recusa não passa de tática eleitoreira. Acostumado que
estou à calúnia das campanhas, não me espanta que o digam. Respondo também
àqueles que de forma melíflua espalham boatos, dizendo que de qualquer forma eu
não estaria preparado para o cargo. Mais mentiras. Meu interesse sempre foi tão
grande que, quando governador, cheguei a propor a construção de um centro
cultural no meu Estado. Na época fui combatido pela ousadia do empreendimento.
Disseram que tudo não passava de conchavo com empreiteiros gananciosos.
Há
ainda os que me acusam de nepotismo pelo simples fato de alguns membros de
minha família fazerem parte da minha equipe de assessores mais chegados.
Pergunto a esses que me achincalham sem pensar nas consequências: que culpa
tenho eu se o acaso quis dotar de talento a competência exatamente essas
pessoas ligadas a mim por laços consanguíneos? Devem pagar com o ostracismo
pelo simples fato de serem meus irmãos, primos, tias e sobrinhos?
Quanto
aos que me atacam, por duvidar da minha honestidade, respondo com a minha
declaração de bens. Se às vezes me vi às voltas com processos de corrupção foi
tão-somente por excesso de confiança nos homens públicos que cercavam, estes
sim, verdadeiros responsáveis por vários desvios ocorridos durante os anos do
meu governo.
Chegaram
até me chamar de alcoólatra simplesmente por causa de inocentes coquetéis
ingeridos durante infindáveis recepções oficiais, das quais, como político, não
poderia jamais ter me furtado. Admito um ligeiro estado de euforia em algumas
dessas festividades, mas nunca devido à bebida e sim, por causa das datas
patrióticas nelas festejadas. Quem quiser confundir um mero escorregão
provocado pela lisura do assoalho com os tropeções desajeitados de um bêbado
que o faça: sei que a História me fará justiça.
Os
mais canalhas chegam ao cúmulo de afirmar que quando eu era proprietário rural
mandei eliminar meus adversários políticos valendo-me de jagunços acobertados
pelo delegado local, homem íntegro e justo, somente acusado pelo fato
irrelevante de ser meu cunhado. A esses, não dou nem a satisfação da resposta.
Se, por coincidência, quinze do meus inimigos mais ferozes morreram de morte
violenta, só tenho a agradecer ao cruel e merecido destino que lhes era
reservado, sem que eu tenha movido um dedo para precipitá-lo.
Finalmente, me dirijo àqueles que, sem
mais argumentos para me conspurcar com sua lama, vasculham minha vida íntima,
chamando-me de devasso. Minha esposa e companheira por mais de vinte anos
conhece a minha retidão. Reconheço que por deveres de Estado várias vezes tive
de me ausentar do leito conjugal ao anoitecer, mas nunca para degradar-me com
prazeres ilícitos e pecaminosos e sim para lutar de peito aberto contra os que
sempre conspiraram, na calada da noite, contra a Democracia e a Liberdade.”
Jô
Soares (texto atemporal, publicado na Veja em 16/10/1991)
Nenhum comentário:
Postar um comentário