A
música instrumental brasileira nas suas modalidades de representação teve e tem
grandes intérpretes, contudo, precisa obter um pouco mais de visibilidade para
que cada vez mais um número maior de ouvintes possam apreciá-la. Muitos desses
notáveis músicos emprestam seu talento acompanhando artistas famosos e mesmo
sendo por esses reconhecidos acabam no final tendo seu valor minimizado. Mesmo
com dificuldades, o panorama da música instrumental no Brasil foi responsável
por mudanças significativas no conceito de se ver, sentir e ouvir música,
contribuindo para operar radicais transformações no tradicional comportamento
da música popular brasileira, sem, contudo, perder a sua essência. A
modernização e a valorização de novas sonoridades provocou um movimento renovador
em nossa canção e nesse aspecto nomes como Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal
passam, a partir da década de setenta, a comandar um movimento de renovação
estética e conceitual da música instrumental, inserindo-a na contemporaneidade
e nas aspirações de uma pesquisa mais profunda.
Mas se
o resultado das experimentações perpetradas por esses dois músicos e por outros
que seguiram suas propostas transgressoras/renovadoras foi aceita pela parcela
da população que via ali um momento de ruptura com o tradicional, esses mesmos
artistas perceberam que sem uma volta ao passado de nossas tradições musicais
eles não conseguiriam realizar esse novo som retirando dela os elementos
necessários para uma releitura. Um exemplo desse retorno ao tradicional com novas
roupagens é a música Chorinho pra ele, de Hermeto Pascoal gravado no LP Slave
mass em 1966 em Los Angeles nos Estados Unidos e lançado no Brasil apenas em
1977 quando esses novos sons ecoavam por todo o país.
Assim
verificaremos que a base instrumental de nossa canção, apesar da introdução de
novos elementos que a façam caminhar para uma renovação de ritmo e harmonia,
acaba voltando-se para um princípio único que formou os alicerces de nossa
musicalidade cabocla a partir da segunda metade do século XIX, o choro, esse
gênero musical que se traduz como a expressão mais pura de um sentimento
jocoso/lírico/sentimental/brasileiro. Um de seus representantes mais notáveis
foi um músico excepcional, Jacob Pick Bittencourt ou simplesmente Jacob do
Bandolim.
Consagrado
como um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, teve no choro a
sua expressão máxima, compondo peças imortais e produzindo excelentes discos.
Um desses trabalhos veio a público com a gravação em 1967 do LP Vibrações em
que o mestre bandolinista se fazia acompanhar do Conjunto Época de Ouro por ele
criado e formado por Horondino José da Silva, o Dino, no violão de 7 cordas,
Benedito César Ramos de Faria, pai de Paulinho da Viola, e Carlos Fernandes de
Carvalho Leite, no violão de 6 cordas, Jonas Pereira da Silva, no cavaquinho,
Gilberto D'Ávila, no pandeiro e Jorge Jose da Silva como ritmista. Juntos esse
time de craques entraram nos estúdios da RCA Victor no Rio de Janeiro e
realizaram as doze gravações apresentadas no disco como se estivessem
espontaneamente demonstrando seu talento em uma animada roda de choro.
No
repertório são apresentadas até então três peças inéditas de Jacob do Bandolim,
Vibrações, que dá título ao LP, Receita de samba e Pérolas, de Pixinguinha;
temos Ingênuo e Lamento em exuberantes interpretações de Jacob, sendo que em
Lamento podemos dizer que ele atinge o máximo de seu virtuosismo numa
interpretação hoje clássica e nunca superada. De Luiz Americano, um de nosso
mais completo clarinetista e saxofonista é apresentado o choro Assim mesmo. No
intuito de valorizar músicos talentosos, mas pouco conhecidos Jacob e seu grupo
apresentam o também inédito choro Cadência, do bandolinista Joventino Maciel.
De Fon Fon, pseudônimo do saxofonista Otaviano Maciel, é o choro Murmurando
onde se destaca na última parte o solo de Dino. Porém é de Ernesto Nazaré o
maior número de composições do disco, contemplado com quatro obras, duas nunca
gravadas e apresentadas pela primeira vez ao público, Fidalga e Vésper, a primeira
editada em 1914 e a segunda em 1901. As outras são Floraux e Brejeiro, esta
última um de nossos clássicos mais conhecidos.
Marco da discografia do choro, este disco de Jacob do
Bandolim e seu Conjunto Época de Ouro merece um lugar de destaque nas
prateleiras de todos os que verdadeiramente admiram a mais autêntica música
popular brasileira aqui representada em sua essência genuinamente mais pura.
Luiz Américo
Lisboa Junior, in
www.luizamerico.com.br
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