terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sermão contra a estupidez e o egoísmo

"A reprovação do egoísmo, que se pregou com tamanha convicção casmurra, prejudicou certamente, no conjunto, esse sentimento (em benefício, hei-de repeti-lo milhares e milhares de vezes, dos instintos gregários do homem), e prejudicou-o, nomeadamente no fato de o ter despojado da sua boa consciência e de lhe ter ordenado a procurar em si próprio a verdadeira fonte de todos os males. ‘O teu egoísmo é a maldição da tua vida’, eis o que se pregou durante milênios: esta crença, como eu ia dizendo, fez mal ao egoísmo; tirou-lhe muito espírito, serenidade, engenhosidade e beleza; bestializou-o, tornou-o feio, envenenado.
Os filósofos antigos indicavam, ao contrário, uma fonte completamente diferente para o mal; os pensadores não cessaram de pregar desde Sócrates: ‘É a vossa irreflexão, são a vossa estupidez, o vosso hábito de vegetar obedecendo à regra e de vos subordinar ao juízo do próximo, que vos impedem tão amiudadamente de serdes felizes; somos nós, pensadores, que o somos mais, porque pensamos’. Não nos perguntemos aqui se este sermão contra a estupidez tem mais fundamentos do que o sermão contra o egoísmo; o que é certo é que despojou a estupidez da sua boa consciência: estes filósofos foram prejudiciais à estupidez!”
Friedrich Nietzsche, in A Gaia Ciência

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