Têm o mesmo nome, o mesmo sobrenome.
Ocupam a mesma casa e calçam os mesmos sapatos. Dormem no mesmo travesseiro, ao
lado da mesma mulher. A cada manhã, o espelho lhes devolve a mesma cara. Mas
ele e ele não são a mesma pessoa:
— E eu, o que tenho a ver com isso? — diz
ele, falando dele, enquanto sacode os ombros.
— Eu cumpro ordens — diz, ou diz:
— Sou pago para isso. Ou diz:
— Se eu não fizer, outro faz. Que e como
dizer:
— Eu sou o outro.
Frente ao ódio da vitima, o verdugo sente
estupor, e até uma certa sensação de injustiça: afinal, ele é um funcionário,
um simples funcionário que cumpre seu horário e suas tarefas. Terminada a
jornada extenuante de trabalho, o torturador lava as mãos.
Ahmadou Gherab, que lutou pela independência
da Argélia, me contou. Ahmadou foi torturado por um oficial francês durante vários
meses. E a cada dia, às seis em ponto da tarde, o torturador secava o suor da
fronte, desligava da tomada a máquina de dar choques e guardava os outros
instrumentos de trabalho. Então se sentava ao lado do torturado e falava de sua
mulher insuportável e do filho recém-nascido, que não o deixara grudar o olho a
noite inteira; falava contra Ora, esta cidade de merda, e contra o filho da
puta do coronel que...
Ahmadou, ensanguentado, tremendo de dor,
ardendo em febre, não dizia nada.
Eduardo Galeano, in O livro dos abraços
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