quarta-feira, 11 de julho de 2012

A vida profissional - 2

Têm o mesmo nome, o mesmo sobrenome. Ocupam a mesma casa e calçam os mesmos sapatos. Dormem no mesmo travesseiro, ao lado da mesma mulher. A cada manhã, o espelho lhes devolve a mesma cara. Mas ele e ele não são a mesma pessoa:
— E eu, o que tenho a ver com isso? — diz ele, falando dele, enquanto sacode os ombros.
— Eu cumpro ordens — diz, ou diz:
— Sou pago para isso. Ou diz:
— Se eu não fizer, outro faz. Que e como dizer:
— Eu sou o outro.
Frente ao ódio da vitima, o verdugo sente estupor, e até uma certa sensação de injustiça: afinal, ele é um funcionário, um simples funcionário que cumpre seu horário e suas tarefas. Terminada a jornada extenuante de trabalho, o torturador lava as mãos.
Ahmadou Gherab, que lutou pela independência da Argélia, me contou. Ahmadou foi torturado por um oficial francês durante vários meses. E a cada dia, às seis em ponto da tarde, o torturador secava o suor da fronte, desligava da tomada a máquina de dar choques e guardava os outros instrumentos de trabalho. Então se sentava ao lado do torturado e falava de sua mulher insuportável e do filho recém-nascido, que não o deixara grudar o olho a noite inteira; falava contra Ora, esta cidade de merda, e contra o filho da puta do coronel que...
Ahmadou, ensanguentado, tremendo de dor, ardendo em febre, não dizia nada.
Eduardo Galeano, in O livro dos abraços

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