Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava
de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de
bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de
uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as quebradas,
industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras,
violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra
escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de
que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de
tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter
saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde
apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande
vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só:
Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha,
você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá
uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando
aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos, a luz na cabeceira, o
abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água
tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a
planta deles eu beijo.
Adélia Prado
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