“Em uma palavra, pode-se
dizer tudo da história universal, tudo o que se apresentar à imaginação mais
desregrada. Mas é impossível dizer que ela é racional; equivocar-vos-eis desde
a primeira sílaba. E, ademais, eis ainda o que se passa constantemente: homens
aparecem, sensatos e de bons costumes, filantropos, cujo fim é levar uma
existência racional e honesta, a fim de agirem pelo exemplo sobre seus
semelhantes e de lhes provarem que é possível viver sabiamente. Mas que acontece, então? Sabe-se que
grande número desses amantes da sabedoria acabam, mais cedo ou mais tarde, por
trair suas ideias e se comprometem em escandalosas histórias. Pois bem! Eu vos
pergunto: o que se pode então esperar do homem, desse ser dotado de qualidades
tão estranhas? (…)
quereis libertar o homem de seus antigos hábitos e corrigir-lhe a vontade
segundo os dados da ciência e conforme o senso comum. Mas como sabeis que o
homem pode e deve ser corrigido? De onde concluístes, que a vontade do homem
deve necessariamente ser educada? Em uma palavra: por que pensais que essa
educação lhe é realmente útil?
(…) Ora, senhores, ‘duas vezes dois igual a quatro’ é um
princípio de morte e não um princípio de vida. (…) / É verdade que o homem não
se ocupa senão da procura desses ‘duas vezes dois igual a quatro’; atravessa
oceanos, arrisca a vida em sua perseguição; mas quanto a encontrá-los, quanto a
apanhá-los realmente – juro-vos que tem medo, pois ele se dá conta de que, uma
vez encontrados, nada mais tem a fazer. (…) Tenta aproximar-se do fim, mas, tão
logo o atinge, não está mais satisfeito; e isso é verdadeiramente bem cômico.
Em uma palavra: o homem é construído de uma maneira muito cômica, e tudo isso
faz o efeito de um trocadilho. Mas, seja como for, ‘duas vezes dois igual a
quatro’ é uma coisa bem insuportável”.
Fiódor
Dostoiévski. Excertos de Noites
brancas e outras estórias. Tradução de Isa Silveira Leal.
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