A
história americana registra um episódio que, pelo seu alto valor humano, indica
até que ponto pode chegar o clamor pela justiça.
Roma.
Ano de 1805. Uma ensolarada tarde de outubro. Dois homens galgam lentamente a
colina do Monte Sagrado. Um deles é jovem, esguio, e o cenho carregado não
esconde a beleza dos traços de origem crioula. O outro, menos jovem, menos
alto, ombros curvados e cabelos grisalhos ao vento. Caminham em silêncio.
Dir-se-ia que há dentro deles um vulcão prestes a explodir. Chegam ao cimo.
Ambos contemplam a cidade dos Césares e dos deuses. Há, no olhar do jovem, um
misto de mágoa e desafio. Seus olhos procuram algo, pousam demoradamente no
Ocidente e, súbito, cai de joelhos e brada solenemente:
“Juro
pelo Deus de meus antepassados; juro pelos meus antepassados; juro pelo meu
país natal, que não permitirei que minhas mãos permaneçam ociosas, nem minha
mente em repouso, enquanto não livrar minha pátria das algemas que a escravizam
à Espanha!”.
Esse
jovem era Simón Antonio Jose de La Santíssima Trinidad Bolívar y Palacios, o
libertador de seis nações americanas. Tinha, então, 21 anos de idade. O outro,
seu mestre, Simon Rodrigues. Somente o mestre e o céu da Itália testemunharam
essa promessa.
Um jovem recorre aos céus e à força de
uma promessa para proporcionar justiça a um povo. A consciência da lesão
sofrida, como indivíduo e como membro de uma comunidade, e a certeza de que não
há um poder constituído para distribuir a justiça (ao contrário, a lesão parte
justamente daquele poder cuja autoridade não pode ser reconhecida, porque foi
imposta pela força, sendo espoliadora dos bens materiais e espirituais de sua
gente, por mais de 300 anos) fundamentam o clamor. Clamor transformado na
promessa que o mundo, assombrado, viu cumprir-se 20 anos depois.
Damásio
de Jesus, in Justiça: Valor Absoluto
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