“Quando
o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se
precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido,
perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como
o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da
poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou porventura, a inércia
que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o artístico se apodere do poeta e, em vez
do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o
miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí,
o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia
morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa
ao seu delicado túmulo de corola.
O
tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões,
das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade?
Nada, e na casa da poesia não permanece nada além do que foi escrito com sangue
para ser escutado pelo sangue”.
Pablo
Neruda
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