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Os estoicos, que o senhor parodia, foram gente admirável, mas a sua doutrina
estratificou-se há dois mil anos, e não se moveu nem um pingo para a frente, e
não se moverá, porquanto não é prática, vital. Ela teve êxito somente com a
minoria que passava a vida e saboreando toda espécie de doutrinas, mas a
maioria não a compreendia. A doutrina que prega indiferença à riqueza, às
comodidades da vida, o desprezo pelos sofrimentos e pela morte, é de todo
incompreensível para a imensa maioria, pois essa jamais conheceu a riqueza nem
aquelas comodidades; e desprezar os sofrimentos significaria para ela desprezar
a própria vida, pois toda essência da vida humana consiste em sensações de
fome, frio, ofensas, privações e um medo hamletiano da morte. Nessas sensações
está a vida inteira: pode-se senti-la como um peso, odiá-la, mas não desprezar.
Sim, repito, a doutrina dos estoicos não pode ter um futuro, e progridem, como
o senhor vê desde o início dos tempos até hoje, a luta, a sensibilidade para a
dor, a capacidade de responder a uma excitação...
Ivan
Dmítritch perdeu de repente o fio dos pensamentos, interrompeu-se e esfregou a
testa, aborrecido.
- Eu queria dizer uma coisa importante,
mas fiquei confuso – disse ele -. – Do que estava falando? Sim! Digo, pois:
algum dos estoicos se vendeu como escravo, a fim de resgatar um próximo. O
senhor vê, isso quer dizer que também o estoico reagiu a uma excitação, porquanto,
para um ato tão generoso como a destruição de si mesmo em prol de um próximo, é
preciso ter um espírito indignado, aberto à comiseração. Eu esqueci aqui na
prisão tudo o que aprendi, senão lembraria mais alguma coisa. E Cristo? Cristo
respondia à realidade chorando, sorrindo, entristecendo-se, ficando furioso e
até angustiando-se; não foi só com sorriso que ele caminhou ao encontro dos
sofrimentos e não desprezou a morte, mas rezou no Jardim de Getsemani, pedindo
para evitar o cálice.
Fala
de Ivan Dmítritch (preso em um
hospital psiquiátrico) a Andriéi
Iefímitch (doutor desse hospital), in A
enfermaria nº 6, de Anton Tchekhov
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