domingo, 13 de maio de 2012

A seca

Imagem: Google

Sobreveio a seca de 1898. Só se vendo. Como que o céu se conflagrara e pegara fogo no sertão funesto.
Os raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um painel infernal. Um incêndio estranho que ardia de cima para baixo. Nuvens vermelhas como chamas que voassem. Uma ironia de ouro sobre azul.
O sol que era para dar o beijo de fecundidade dava um beijo da morte longo, cáustico, como um cautério monstruoso.
A poeira levantava e parecia ouro em pó.
Os ocasos congestos entravam pelas trevas em nódoas sanguíneas. Sobras fervidas. Como um cinzeiro em brasas. Noites tostadas.
Um  derrame de luz exaltava que parecia o sol fulminante derretido nos seus ardores.
Ventava. Não era o vento pontual da boca da noite todo sujo de pó como uma criança traquina. Era um sopro do inferno que, alteando-se, parecia querer rasgar as nuvens para acender a fogueira.
A flor desfalecia.
Durante um ano a fio, uma gota d’água que fosse não refrescara a queimadura dos campos.
Depois, não se via um pássaro: só voavam muito alto as folhas secas.
Bem. Um passarinho estava sob a última folha da umburana, como debaixo de um guarda-sol. Caiu a folha e o passarinho abriu o bico e também caiu, com as asas abertas.
O panasco pulverizava-se; girava com a poeira chamejante.
Até onde dava a vista se achatava a paisagem cinérea. A desolação da mesma cor.
A capoeira esquelética levantava os garranchos, como dedos crispados. E dançava, à força, nessa tragédia, como o bochorno fogoso.
A caatinga formava um aranhol.
Como era feia a natureza resseca na sua nudez de pau e pedra!
Os rebanhos aflitos prostravam-se no chão esbraseado.
José Américo de Almeida, in A bagaceira

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