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Em um dos grandes relatos de viagens fantásticas, o
escritor norte-americano Edgar Alan Poe conta a história de uma expedição
marítima na costa norueguesa que se depara com um redemoinho gigante, conhecido
como Maelstrom. Passado o terror inicial, o narrador proclama: "Pouco
depois, fiquei possuído da mais aguçada curiosidade pelo próprio turbilhão.
Sentia positivamente um desejo de explorar suas profundezas, mesmo ao preço do
sacrifício que ia fazer; e meu principal pesar era que jamais poderia contar a
meus amigos, na praia, os mistérios que iria conhecer".
Se Poe tivesse escrito seu conto 150 anos depois (o
original foi publicado em 1841), talvez substituísse a exploração das entranhas
do vórtice pela exploração das entranhas de um buraco negro. Fica difícil
imaginar uma viagem fictícia mais fascinante do que a uma região em que nossas
noções de espaço e tempo deixam de fazer sentido, de onde nada, nem a luz,
escapa, um verdadeiro Maelstrom cósmico. Os buracos negros e suas ligações com
objetos exóticos, conhecidos como "buracos de verme" - possíveis
pontes de um ponto a outro no espaço e no tempo-, desafiam até a imaginação dos
físicos.
Tudo começou em 1905, quando Einstein propôs a
teoria da relatividade especial. A teoria demanda uma revisão das noções
clássicas de tempo e espaço, firmemente arraigadas no nosso bom senso. O tempo
flui sempre na mesma direção (o que chamamos de causalidade, a causa precede o
efeito), indiferente a nós, os observadores. Já o espaço é a arena em que
eventos acontecem, o palco onde a natureza encena seu drama, independentemente
de nós, os espectadores.
Einstein
mostrou que a passagem do tempo e as medidas de distância não são quantidades
absolutas. Dependem do movimento relativo entre observadores. Um relógio em
movimento bate mais devagar do que um em repouso, e uma régua em movimento terá
um comprimento menor do que o de outra em repouso. Não percebemos isso porque
os fenômenos relativísticos só se manifestam a velocidades próximas à da luz
(300 mil quilômetros por segundo). Mas, se um trem fosse capaz de andar a 180
mil quilômetros por hora, um relógio marcando a passagem de uma hora no trem
marcaria uma hora e quinze minutos na estação.
Se a velocidade da luz fosse infinita, esses
efeitos não existiriam. Mas ela é finita, e a dilatação temporal e a contração
espacial são observadas rotineiramente em experimentos com partículas
subatômicas. No mundo da relatividade, espaço e tempo não são absolutos, mas
entrelaçados em um "espaço-tempo" de quatro dimensões, três para o
espaço e uma para o tempo. Esse espaço-tempo é o verdadeiro palco em que a
natureza encena seu drama. Nossa visão é bloqueada pelas minúsculas velocidades
do nosso dia-a-dia.
Uma das limitações da relatividade especial é que
ela só trata de movimentos com velocidades constantes. Em 1915, após anos de
suor, Einstein propôs uma generalização da teoria, conhecida como teoria da
relatividade geral. Ao tentar descrever movimentos acelerados, Einstein teve o
que considerou a "visão mais feliz de minha vida": que um movimento
acelerado pode imitar os efeitos da força gravitacional. O mesmo puxão que
sentimos ao acelerar um carro pode ser provocado pela súbita colocação de uma
enorme massa atrás do carro, que nos atrairia gravitacionalmente em sua
direção.
Esse efeito é conhecido como "princípio de
equivalência". Uma teoria da relatividade com aceleração é uma teoria da
gravidade.
Einstein foi além. Mostrou que o efeito da atração
gravitacional pode ser interpretado como a curvatura do espaço-tempo em torno
de um objeto muito denso. Assim como uma bola de chumbo sobre um colchão
deforma sua superfície, a presença de matéria deforma a curvatura do espaço.
Objetos em movimento nesse espaço curvo terão suas trajetórias alteradas, tal
como bolas de gude no colchão deformado. E, como o tempo e o espaço estão
intimamente ligados em relatividade, a presença de matéria deforma a passagem
do tempo. Em relatividade geral, o espaço-tempo torna-se deformável pela
presença de matéria.
E os buracos negros? Uma estrela passa a vida
lutando contra sua implosão devido à gravitação. Para isso, produz enormes
quantidades de energia por meio da queima de sua própria matéria. Com o passar
de bilhões de anos, a estrela devora seu interior e começa a implodir. Isso faz
com que uma quantidade enorme de matéria ocupe um volume cada vez menor,
criando um campo gravitacional cada vez mais intenso. A um certo ponto, nasce
um buraco negro, um objeto com um campo gravitacional tão intenso que nem mesmo
a luz escapa.
Como o Maelstrom de Poe, buracos negros têm uma
espécie de borda, chamada "horizonte". Imagine que observamos nosso
pior inimigo sendo atraído por um buraco negro. Sua espaçonave tem uma luz azul
que pisca a intervalos fixos. Observamos que o intervalo entre os pulsos de luz
vai aumentando e que a luz vai ficando mais vermelha à medida que a espaçonave
se aproxima do horizonte. Ao passar pelo horizonte, o intervalo entre os pulsos
se alarga indefinidamente, a luz avermelhada desaparece, com a espaçonave e o
nosso inimigo. Para um observador externo, é impossível ver um objeto além do
horizonte; o tempo (intervalo entre os pulsos) também pára. Para desvendarmos
os mistérios dos buracos negros, precisamos explorar seu interior.
Nosso inimigo é imediatamente esmagado pelas forças
gravitacionais do buraco negro, seu foguete vira espaguete. Mas o que aconteceria
se pudéssemos viajar através de um buraco negro?
Ao entrarmos no horizonte, o tempo continuaria a
fluir normalmente, mas sentiríamos um forte puxão na direção de seu centro,
conhecido por "singularidade". Seria impossível desviarmos, assim
como não podemos mudar a direção do tempo em nosso mundo. Pelas teorias atuais,
nosso destino dependeria da estrela que formou o buraco negro. Se ela fosse
exatamente esférica, nosso destino seria trágico: nos desintegraríamos ao
chegarmos na singularidade central. Mas, se a estrela não fosse exatamente
esférica, se estivesse em rotação (e a maioria dos objetos astrofísicos está em
rotação), a singularidade não seria um ponto esmagador, mas um túnel, uma
espécie de passagem. Para onde?
Essas passagens no espaço-tempo são conhecidas como
"pontes de Einstein-Rosen". Em especulações mais ambiciosas, essas
pontes terminam no oposto dos buracos negros, os buracos brancos, que vomitam
matéria no espaço, talvez até em outro Universo. Quando essas pontes ligam pontos
diferentes no nosso Universo, são conhecidas como "buracos de verme",
passagens a pontos diferentes, no espaço e no tempo. Certos buracos negros
podem conter um número enorme de buracos de verme, conectando o mesmo ponto do
espaço a vários outros. Em princípio, é possível escolher um caminho que nos
leve ao mesmo ponto no espaço, mas a outro instante do tempo, seja no passado
ou no futuro.
A relatividade
geral permite, em princípio, a existência de máquinas do tempo! Mas com uma
limitação. Essas gargantas cósmicas são extremamente instáveis e se fecham
rapidamente. Para mantê-las abertas, é necessária uma espécie de matéria capaz
de produzir pressões negativas, o oposto da matéria comum. Infelizmente, não
temos a menor ideia de como produzir tal matéria. Mesmo que essas passagens
existam, a possibilidade de que algum dia nós iremos passear através do tempo
por intermédio de buracos de verme é muito remota. No meio tempo, podemos
seguir o brilhante exemplo de Poe e usar a nossa imaginação.
Marcelo
Gleiser, especial para a
Folha
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