quarta-feira, 18 de abril de 2012

Uma estrela, vista através de periscópio

Aqui estou, de gravata,
Passadinho a ferro,
Feito sardinha em lata
Ao  molho  de  burocrata.
Sem  horizonte  nem  brisa,
Enforcado na camisa,
Olhar  perdido,  estupor.
Um poeta-cavador,
Metido fundo na lata
Do  desamor-bolor.


Soergo  meu periscópio
Que, da alma, espia o mundo;
Cronópio  e marinheiro,
Varo  as  ondas  do  dinheiro,
Singro  o  mar  da  servidão.
Mas  resisto no que me sinto:
Homem atento, jumento
De  pés  cravados  no  chão;
À espera do momento
Em  que  a  brasa  do  pensamento
Se  transfigure  em quimera
E fulgure no firmamento.


Uma estrela.
Mas, o que é uma estrela?
Pura  emoção  de  quem,
Ao vê-la, sente que pulsa
O  coração?  Ou  pedra  fria,
Suspensa  no  espaço,
Entre milhões de solidões?
Cadente que sou, perdido,
Na vastidão espantosa
Do  marasmo nacional,
Vejo na estrela um sinal:
Um gesto de Deus no céu
- como  quem  tira do chapéu
Um  arco-íris  noturno.

Eduardo Alves da Costa, in  Salamargo

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