Rebelde,
romântico, escandaloso, tímido, debochado, doce, ácido, sincero, aprendiz;
travesso, boêmio, praiano, irreverente, solidário, egoísta, sensível,
despudorado; burguês antiburguês, índio americano, viciado em amar errado. Anjo
e sedutor, pão e vinho, silêncio e berro. Samba, blues, bossa, fossa, rock‟n‟roll. Exagerado. Na
identidade, Agenor; entre os amigos, “Caju”. Mas foi pelo codinome Cazuza que ficou
marcado na história da música brasileira. De sua vida fez sua obra e com ela
manteve-se vivo. Através de suas composições mostrou sua cara, desenhou uma
geração, pintou um país.
Ao som da
canção “Codinome Beija-flor”, de repente, uma imagem salta para encher-se de
significados e organizar o presente trabalho. Paradoxal e enigmática, a
metáfora “segredos de liquidificador”10 possibilita diversas leituras. A
princípio, quando são ditos segredos de liquidificador, o que se quer é trazer
calor para uma “orelha fria”, fazê-la entender que o bom do amor não deve ser
contido, indolor nem aguado. A aceitação desse segredo decerto é dilacerante,
turbulenta e trituradora. E explode seu escarcéu internamente e em silêncio.
Passando a
uma atmosfera ainda mais sensual, é possível chegar a duas situações. A
primeira diz respeito àquilo que é dito ao “pé do ouvido” na hora do sexo – os
íntimos sussurros que acabam sendo escutados pelo prédio inteiro. A segunda –
explicada pelo próprio Cazuza – evoca a língua que gira acelerada mergulhando
no ouvido, em um gesto intensamente erotizado, embora temperado por um ar de
brincadeira de criança travessa. Tais explicações deixam a imagem ainda mais
deliciosa. E mais cazuzeana.
Todavia, esgarçando as possibilidades de interpretação,
chegamos a uma visão ainda mais ampla da imagem. Veja-se que o liquidificador é
o utensílio doméstico que converte – de forma bastante barulhenta – determinado
conjunto de ingredientes em uma mistura silenciosa. Às vezes, até, elementos
que parecem não combinar unificam-se sob a mesma cor, instigando através do
paladar o interesse pela misteriosa receita. Mas afinal, não é da própria
poesia que se está falando? Todo poeta/compositor bate dentro de si elementos
biográficos, interesses artísticos, posicionamentos ideológicos, diálogos
musicais e literários. A poesia é sempre um mistério, é sempre uma mistura. E,
por vezes, a chave daquele está na descoberta desta. É preciso penetrar surdamente
no reino das palavras.
Rafael Barbosa Julião, in Segredos
de liquidificador: um estudo das letras de Cazuza. Dissertação de Mestrado
em Letras Vernáculas. Faculdade de Letras – UFRJ, Rio de Janeiro.
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