"A
ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos
internos delas e, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações
permitidas por sua definição, só de longe em longe se defronta com o mundo
atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso,
desenvolto, esse parti pris de tratar
todo o ser como "objeto em geral", isto é, a um tempo como se ele
nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos
artifícios.
Mas
a ciência clássica guardava o sentimento da opacidade do mundo, era a este que
ela pretendia juntar-se por suas construções, e por isto é que se acreditava
obrigada a procurar para suas operações um fundamento transcendente ou
transcendental. Há, hoje em dia - não na ciência, e sim numa filosofia das
ciências assaz difundida -, isto de inteiramente novo: que a prática
construtiva se torna e se dá por autônoma, e que o pensamento deliberadamente
se reduz ao conjunto das técnicas ou tomada de captação, que ele inventa.
Pensar é ensaiar, operar, transformar, sob a única reserva de um controle
experimental onde só intervém fenômenos altamente 'trabalhados', e
que os nossos aparelhos produzem, em vez de registrá-los. Daí toda sorte de
tentativas desordenadas. Nunca, como hoje, a ciência foi sensível às modas
intelectuais. Quando um modelo foi bem sucedido numa ordem de problemas, ela o
experimenta em toda a parte."
Maurice Merleau-Ponty, in O
Olho e o Espírito
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