domingo, 1 de abril de 2012

A manipulação da ciência

"A ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos internos delas e, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de longe em longe se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolto, esse parti pris de tratar todo o ser como "objeto em geral", isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios.
Mas a ciência clássica guardava o sentimento da opacidade do mundo, era a este que ela pretendia juntar-se por suas construções, e por isto é que se acreditava obrigada a procurar para suas operações um fundamento transcendente ou transcendental. Há, hoje em dia - não na ciência, e sim numa filosofia das ciências assaz difundida -, isto de inteiramente novo: que a prática construtiva se torna e se dá por autônoma, e que o pensamento deliberadamente se reduz ao conjunto das técnicas ou tomada de captação, que ele inventa. Pensar é ensaiar, operar, transformar, sob a única reserva de um controle experimental onde só intervém fenômenos altamente 'trabalhados', e que os nossos aparelhos produzem, em vez de registrá-los. Daí toda sorte de tentativas desordenadas. Nunca, como hoje, a ciência foi sensível às modas intelectuais. Quando um modelo foi bem sucedido numa ordem de problemas, ela o experimenta em toda a parte."
Maurice Merleau-Ponty, in O Olho e o Espírito

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