São doces
os caminhos que levam de volta à pátria. Não à pátria amada de verdes mares bravios,
a mirar em berço esplêndido o esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais
íntima, pacífica e habitual — uma cuja terra se comeu em criança, uma onde se
foi menino ansioso por crescer, uma onde se cresceu em sofrimentos e esperanças
plantando canções, amores e filhos ao sabor das estações.
Sim, são
doces as rotas que reconduzem o homem a sua
pátria, e tão mais doces quanto mais ele teve, viu e conheceu outras
pátrias de outros homens. Assim eu, ausente pela segunda vez de uma ausência de
muitos anos quando, dentro da noite a bordo, os dedos a revirar o dial do ondas
curtas, aguardava o primeiro balbucio de minha pátria como um pai à espera da
primeira palavra do seu filho. O coração batia-me como batera um dia, à poesia
sonhada, ou como uma outra vez, diante de uns olhos de mulher.
— O
senhor tem certeza de que isso é mesmo um ondas curtas?
O
camareiro norueguês, grande e tranquilo, limitou-se a sorrir misteriosamente. Depois,
humano, inclinou-se sobre o aparelho, o ouvido atento, e pôs-se a tentar por
sua vez.
As ondas sonoras iam e vinham
verrumando a minha angústia.
Onde
estava ela, a minha pátria que não vinha falar comigo ali dentro do mar escuro?
E de
repente foi uma voz que mal se distinguia, balbuciando bolhas de éter, mas
pensei no meio delas distinguir um nome: o nome de Iracema. Não tinha certeza,
mas pareceu-me ouvir o nome de Iracema entre os estertores espásmicos do
aparelho receptor.
Deus do
Céu! Seria mesmo o nome de Iracema?
Era sim,
porque logo depois chegou a afirmar-se, mas quase imperceptível, como se
pronunciado por um gnomo montado em minha orelha. Era o nome de Iracema, da
Rádio Iracema, de Fortaleza, a emissora dos lábios de mel, que sai mar afora,
enfrentando os espaços oceânicos varridos de vento para trazer a um homem
saudoso o primeiro gosto de sua pátria.
Adorável
prefixo noturno, nunca te esquecerei! Foste mais uma vez essa coisa primeira
tão única como o primeiro amigo, a primeira namorada, o primeiro poema. E a ti eu
direi: é possível que o padre Vieira esteja certo ao dizer que a ausência é,
depois da morte, a maior causa da morte do amor. Mas não do amor à terra onde
se cresceu e se plantou raízes, à terra a cuja imagem e semelhança se foi feito
e onde um dia, num pequeno lote, se espera poder nunca mais esperar.
Vinícius de
Moraes
(Agosto de 1953), in Para uma Menina com
uma Flor
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