“Em
todos os tempos os homens, por algum pedaço de terra de mais ou de menos,
combinaram entre si despojarem-se, queimarem-se, trucidarem-se, esganarem-se
uns aos outros; e para fazê-lo mais engenhosamente e com maior segurança,
inventaram belas regras às quais se deu o nome de arte militar; ligaram à
prática dessas regras a glória, ou a mais sólida reputação; e depois
ultrapassaram-se uns aos outros na maneira de se destruírem mutuamente.
Da
injustiça dos primeiros homens, como da sua origem comum, veio a guerra, assim
como a necessidade em que se acharam de adotar senhores que fixassem os seus
direitos e pretensões. Se, contente com o que se tinha, se tivesse podido
abster-se dos bens dos vizinhos, ter-se-ia para sempre paz e liberdade.
O povo
tranquilo nos lares, nas famílias e no seio de uma grande cidade onde nada tem
a temer para os seus bens nem para a vida, anseia por fogo e sangue, ocupa-se
de guerras, ruínas, braseiros e matanças, suporta impacientemente que os
exércitos que mantêm a campanha não tenham recontros, ou se já se encontraram e
não sustentem combate, ou se enfrentam e não seja sangrento o combate, e haja
menos de dez mil homens no local.
Muitas
vezes chegam a esquecer os seus mais caros interesses, o repouso e a segurança,
pelo amor que tem à mudança e pela mania de novidade ou das coisas
extraordinárias”.
Jean de
La Bruyére, in Os Caracteres
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