Nasci
em família espírita (não confundir com as religiões afro-brasileiras). Aos 14
anos impliquei com minha mãe que queria que eu fizesse primeira comunhão. E
fiz. No catecismo, não concordava com nada do que a professora dizia, mas não a
aborrecia. Chegou o dia da cerimônia e carreguei toda feliz a minha vela e
confessei ao padre, muito envergonhada, os meus pecados de moça pura. Eu queria
ser aceita no meu grupo social de maioria católica. Foi quando percebi que a
religião era uma forma de sociabilização.
Um
pouco mais adiante, me converti ao Universalismo Estelar. Uma religião que eu
mesma inventei. Sou fundadora, pastora e única fiel. Infelizmente, dileto
leitor, mesmo que você se interesse por essa religião, o único dogma que ela
carrega é permanecer para sempre individualizada em mim. Não haverá outros
fiéis que não eu mesma. A espiritualidade é algo muito singular.
No
Universalismo Estelar não há outra compreensão do mundo que não o pensar e a
lógica. Evidências empíricas são muito bem vindas, mas nunca analisadas de
forma derradeira. Há sempre mais a aprender. Sentada em meu altar, envolta por
livros, um dia me deparei com a causalidade. A relação entre causa e efeito e
tudo o que envolve a sua inteligibilidade. Desde então, adotei certas posturas
quanto às visões ateístas e teístas.
Deus,
para o Universalismo Estelar, é a causa primeira. Como o ônus da prova é de
quem acusa, convido o leitor a pensar comigo. Veja, se todo efeito possui uma
causa, qual seria a causa do Universo? Poderíamos responder “deus”. Muitos
ateus perguntariam: “Mas qual a causa de deus?”, para o que a resposta seria:
todo efeito tem uma causa e não toda causa tem uma causa. Partindo desse
princípio, poderíamos vislumbrar uma série de características para esse “deus”,
tais como: atemporal, eterno, inteligente. Quanto à questão da inteligência,
como acreditar que todos os processos físicos e químicos do universo, a
complexidade dos corpos, seus pormenores funcionais, a gravidade, os astros e
tudo mais que nos circunda, foram todos decorrentes de um acaso, ou da sorte?
“Sorte” essa que faz do processo universal um exemplo de sucesso há pelo menos
13,7 bilhões de anos. Seria preciso muita fé.
Alguns
argumentarão que a complexidade que vemos hoje é fruto de uma incalculável
quantia de tempo e que por meio da seleção natural a evolução privilegiou os
fenótipos mais agraciados. Ora, se a seleção natural tem a capacidade de
operacionalizar um processo privilegiando aquilo que favorece a vida, então
seria ilógico afirmar que não existe aí um processo inteligente. Além do que
temos toda a composição genética como base intrínseca desse decurso, de forma
que atribuir ao acaso o funcionamento dessas ferramentas naturais me parece tão
pueril quanto comparar a ideia da existência de algo como “deus” à ideia da
existência de unicórnios e dragões invisíveis na garagem.
Qual
o trabalho científico que provou o materialismo? Você vê a matéria ou apenas a
luz refletida nela? Estamos andando sobre matéria ou flutuando devido à
repulsão eletrostática? A matéria é invisível e intangível e ainda assim
convertemos o nosso pensamento em niilismos incabíveis. Nem mesmo a ausência de
luz pode fazer de nós seres sombrios se essa não for a nossa decisão, se não
for da nossa vontade, porque independentemente da matéria nosso eu pode e deve
controlar o rumo do nosso comportamento. Entregar-se à inércia mental apenas
conturba ainda mais o mundo a nossa volta.
Quanto
às bases éticas do Universalismo Estelar, elas também são cerceadas pela
observação e pelo pensamento. A ética conforme o entendimento dos gregos era
definida por dois sentidos complementares: a interioridade do ato humano (a
intenção) e os hábitos e costumes. Da observação, bem como obviamente da
leitura da moral ensinada pelas incontáveis religiões que nos cercam, podemos
aprender qual a melhor forma de interação com o outro. É um processo individual
voltado para o coletivo. Conhece-te a ti mesmo, ama-te e depois ama teu
próximo.
Como
todas as outras religiões, acredito que um dia o Universalismo Estelar será
extinto e a espiritualidade será realmente compartilhada sem precisar se
alimentar da hipocrisia presente. Se continuarmos tendo a “sorte” que temos e o
universo não estiver na iminência de se extinguir por algum erro de cálculo do
“acaso”, creio que chegaremos a um tempo onde a habilidade em esculpir uma Pietá
será tão comum quanto a que temos hoje de deixar que os outros pensem por nós.
Denise
Rossi, in www.revistabula.com
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