Rapaz, eu sou de Sertânia, com
todo sentimento de um sertanejo do Moxotó, da vegetação rasteira, da poesia
popular, do poder da palavra improvisada, e mais outras coisas históricas
responsáveis pela nossa composição física e intelectual.
Pois bem, nesse vai-e-vem constante entre Sertânia e Recife, lá se vão
mais de quarenta anos. Meu motor é 6.3. Caro escritor, eu estou muito à vontade
para falar da minha região, da minha própria casa, e tenho todo o direito.
Então, isso significa dizer que conheço praticamente todo o rango e bebidas
alcoólicas do caminho, durante esse tempo todo.
Não há mais um queijo de coalho que preste, principalmente depois que
aboliram o uso do abomaso do bode ou do mocó, no processo de fabricação. Agora
é um pozinho químico. Mas, tudo bem. Tem outras coisas mais limpas, pelo menos.
O queijo de coalho está cada vez mais difícil. É uma “borracha” fedorenta que
você coloca na frigideira, ele fofa, incha, e se acaba ali mesmo. Não tem gosto
de nada! Lembro-me da minha infância, na casa de Madrinha Dudu, em Pesqueira,
que quando dona Alzira me levava pra lá, três horas da tarde, saía uma “farofa
de queijo de manteiga”, direta da Fábrica, aquela raspa quentinha saborosa,
derretia-se na boca.
Hoje, transitando por Sanharó, você passa obrigatoriamente, por vários
pontos de revendas desses produtos, de várias origens da redondeza. Não tem um
que preste. Você compra porque faz parte do ritual, para dizer aos amigos que
aqui ficaram: – Eu trouxe queijo do Sertão (com a boca cheia), eu mesmo já fiz
isso. A “farofa de queijo”, de péssima qualidade, parece mais um punhado de
massa de cuscuz crua, melada com margarina (pelo menos em relação à farofa que
falamos supra).
O “queijo de manteiga”. Ave Maria! Só tem batata. Quer dizer, na medida
em que o cabra vai enricando, vai enfraquecendo o produto, aumentando o negócio
e ficando com “o olho grande”. Sabemos que isso acontece em todas as
instâncias, mas estou falando da minha.
Antes de chegar em Sanharó, nos locais de revenda desses produtos,
do lado direito no sentido de quem vai daqui do Recife. Tem uma “Santa”, gorda,
feia, mal feita que, pela qualidade do trabalho do artista que a confeccionou,
ela deve ser a protetora dos queijos de coalho, e de manteiga da região.
Sugerimos até que haja um contato para um possível caso amoroso, entre ela e
outra Estátua, a do Bandeirante: Borba Gato, localizada no bairro de Santo
Amaro, São Paulo, capital.
Verdade também que, por exemplo, carne não pode ser falsificada, mas o
cidadão ainda vende carneiro por bode, pra não “perder a viagem”. Embora
que por aqui, na metrópole, há quem venda cachorro por bode. Fica peixe!
Pois é meu caro Luíz Berto, essa visão exótica do sertão não cabe mais.
Aliás, algum sertanejo como eu poderá dizer: êpa caboco! Eu sei onde tem
queijo de coalho bom no sertão. Claro, “toda regra tem exceção”. Né pra rimar?
Luís Gonzaga já previa mudanças nos quadros sertanejos quando cantava: – Você
precisa conhecer a terra boa, você precisa conhecer o Moxotó. Pra ver um cabra
entrar no mato encourado, derrubar touro amontado… Pegar “cobra” e dar um nó.
Ésio
Rafael, na coluna Indez, do Besta Fubana
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