“Qual a causa que provoca, em certas épocas, a
decadência geral do estilo? De que modo sucede que uma certa tendência se forma
nos espíritos e os leva à prática de determinados defeitos, umas vezes uma
verborreia desmesurada, outras uma linguagem sincopada quase à maneira de
canção? Porque é que umas vezes está na moda uma literatura altamente
fantasiosa para lá de toda a verossimilhança, e outras a escrita em frases
abruptas e com segundo sentido em que temos de subentender mais do que elas
dizem? Porque é que nesta ou naquela época se abusa sem restrições do direito à
metáfora? Eis o rol dos problemas que me pões. A razão de tudo isto é tão bem
conhecida que os Gregos até fizeram dela um provérbio: o estilo é um reflexo da
vida! De fato, assim como o modo de agir de cada pessoa se reflete no modo como
fala, também sucede que o estilo literário imita os costumes da sociedade
sempre que a moral pública é contestada e a sociedade se entrega a sofisticados
prazeres. A corrupção do estilo demonstra plenamente o estado de dissolução
social, caso, evidentemente, tal estilo não seja apenas a prática de um ou
outro autor, mas sim a moda aceite e aprovada por todos.
Não é possível o espírito ter uma tendência e a
alma ter outra. Se a alma é sadia, senhora de si, severa e comedida, o espírito
será igualmente grave e sóbrio; quando a alma é viciosa, o espírito também
degenera. Não vês tu que, se a alma é débil, as pessoas arrastam o corpo e só a
custo se movem? Que, se a alma é efeminada, até no modo de andar se nota essa
moleza? Que, se ela é, pelo contrário, ardente e forte, a marcha se torna
acelerada? Que ainda, no estado de loucura, ou de cólera (que, aliás, é um
estado semelhante à loucura) o movimento do corpo se torna caótico,
descontrolado, sem sentido definido? Todos estes sintomas se tornarão mais
evidentes ainda no que concerne ao espírito, já que este está totalmente
impregnado pela alma, da qual recebe a sua forma, à qual obedece, a cuja lei se
submete”.
Sêneca, in Cartas a Lucílio
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