Saí do teatro
emocionado e pensando em escrever alguma coisa sobre a execução da nona de
Beethoven. Sou assim: se me emociono as palavras começam a circular nas veias
aquecidas. Cheguei a estudar piano até certa fase da adolescência, mas não me
sinto competente para emitir juízos a respeito do desempenho de uma orquestra
sinfônica. Era impossível resistir ao apelo das palavras que se amontoavam
dentro da cabeça e pediam passagem. Por isso, quer dizer, pela opção que fiz
pelo outro teclado, este aqui, não passo daqueles conceitos bem genéricos que
qualquer amante da música erudita consegue emitir.
Carregado
por esses pensamentos fui parar ao lado do Aldo Obino. Não, você não deve
conhecer o Aldo Obino. Mesmo em sua terra ele, como pessoa, não deve ter muitas
memórias onde se abrigue. Hoje ele é nome de centro cultural, é nome de sala de
jornal, mas no meu tempo de jovem, em Porto Alegre, Aldo Obino era o crítico de
música erudita mais badalado da cidade. Era nossa referência. E escrevia no
“Correio do Povo”, naquela época o principal jornal do Estado. Dizem que
entendia muito e escrevia bem. E nós não perdíamos nada do que ele
escrevesse.
Certa
ocasião, venderam-se ingressos para o concerto de Yara Bernetti, pianista de
São Paulo e uma das melhores executantes de J. S. Bach a que tenho assistido.
Nunca assisti à execução de uma fuga como a dela. Nosso grupo de fanáticos por
Bach, que não era pequeno, aguardou a noite de sábado com ansiedade. Os jornais
deram a biografia da pianista, a opinião de críticos nacionais e estrangeiros
sobre ela, enfim, seu concerto era o que se podia chamar de imperdível.
O
Aldo Obino estava com viagem marcada para o interior do Estado, cumprindo
compromisso familiar, e não seria por causa de um concerto que ele deixaria de
cumprir com seus compromissos. Mas não podia permitir, por outro lado, que o
evento passasse sem sua crítica. Posições são mantidas é assim, sem deixar
espaços vazios. Conhecedor da Yara, como ele era, e, além disso, do programa,
preparou o texto até com detalhes sobre a “memorável noitada de arte que
tivemos” e “o brilho da execução”, deixou-o com um parente. O jornal já deixara
o espaço medido e reservado.
Na
sexta-feira à tarde, o crítico viajou, para voltar apenas no meio da semana
seguinte. No domingo de manhã, entretanto, lá estava, no Correio do Povo, o
texto do Obino. E foi uma gargalhada monumental: meia hora antes do concerto,
com o saguão lotado de ternos e longos, havia sido anunciada a hospitalização
da pianista ou estava desabando um temporal sobre a cidade ou a energia
elétrica tinha sofrido uma pane, não me lembro mais. Alguma coisa, entretanto,
que provocara o cancelamento do concerto.
E
como a vida é um aprendizado que nunca termina, principalmente as falhas nos
ensinam, sobretudo quando são dos outros, me pus a pensar: quantas vezes já não
devo ter publicado opinião sobre concerto cancelado!
Menalton Braff, in www.revistabula.com
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