segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Fechando o corpo

“...Eu desejava saber, se falou muito nessas orações de curar a gente contra bala de morte e, em breves que fecham o corpo. Alaripe então contou uma estória, caso sucedido, fazia tempos, no giro do sertão. O qual era o seguinte:
Um José Misuso uma vez estava ensinando a um tal Etelvininho, a troco de quarenta mil-réis, como é que se faz a arte de um inimigo ter de errar o tiro que é destinado na gente. Do que deu o preceito: - ‘...Só o sangue-frio de fé é que se carece – pra, na horinha, se encarar o outro, e um grito pensar, somente: Tu erra esse tiro, tu erra, tu erra, a bala sai vindo de lado, não acerta em mim, tu erra, tu erra, filho de uma cã!... Assim ele ensinou ao Etelvininho, o Misuso. Mas, aí, o Etelvininho reclamou: -‘Ara, pois, se é só isso, só issozinho, pois então eu já sabia, mesmo por mim, sem ninguém me ensinar – já fiz, executei assim, umas muitas vezes...’ –‘E fez igualzinho, conforme o que defini?’ – indagou o José Misuso, duvidando. – ‘Igualzinho justo. Só que, no fim, eu pensava insultado era: ... seu filho duma cúia!...’ – o Etelvininho respondeu. –‘Ah, pois então’ – O José Misuso cortou a questão –“...pois então basta que tu me pague só uns vinte mil-réis...’
A gente muito rimos todos. A hora a ser de satisfa, alegrias sobejavam. Se caçoou, se bebeu, um cantou o sebastião. Mansinho, mãe, chegaram as voltas da noite. Dormi com a cara na lua.

Guimarães Rosa, in Grande Sertão: Veredas

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