segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma caixa de Maizena


“A mercearia dos meus pais era pequena – chamávamos de 'bodega' – mas nela vendíamos um pouco de tudo, principalmente gêneros alimentícios.
Digo 'vendíamos' porque a família toda participava, principalmente depois que meu pai recuperou o emprego e minha mãe ficou à frente dos negócios. Como de manhã eu ia à escola, ajudava no comércio à tarde, enquanto meu irmão fazia o contrário, estudava à tarde e trabalhava pela manhã.
Às vezes minha mãe saía para fazer compras ou pagar fornecedores e eu assumia a gerência do estabelecimento. Tinha uns dez anos de idade, mas fazia tudo direitinho: vendia, passava troco, empacotava as mercadorias e ainda prestava contas de tudo, quando minha mãe chegava.
Uma das poucas coisas que eu achava complicado era vender maisena, porque as caixas ficavam na prateleira mais alta e eu tinha um pouco de acrofobia, aliás, tenho até hoje. Naquela época, com menos de um metro e meio de altura, tudo me parecia mais alto.
Para minha desventura, havia uma senhora, chamada Dona Santana, que morava quase em frente à mercearia e toda tarde ia até lá comprar maisena para o jantar dos seus filhos. Eram doze, ao todo, mas acredito que só uns quatro ou cinco – ainda pequenos – tomavam mingau. Os maiores já podiam cuidar de si mesmos.
Quando ela entrava na mercearia, sempre por volta das quatro da tarde, eu sentia um frio na barriga. Sabia que logo precisaria subir no birô que havia perto do balcão, apoiar o pé em uma prateleira – como quem pisa no estribo de um cavalo – me segurar em outra, com a mão esquerda, e esticar o braço direito, até alcançar uma das caixas. Lá de cima, jogava a caixa de maisena dentro do saco do arroz ou da farinha, para ter as mãos livres novamente na descida.
Às vezes Dona Santana fazia um pouco de suspense, pedindo outras coisas: um ovo, duas colheres de manteiga, três colheres de colorau, meio pacote de café… Mas o pedido final era sempre o mesmo:
- Agora, me dê uma caixa de Maizena.
E lá ia eu, com o coração acelerado, prendendo a respiração e subindo pelas prateleiras, enfrentando o medo que tinha daquelas escaladas.
Mas, nunca deixei de atender Dona Santana por isso. Só ficava chateado quando, depois que eu descia com a mercadoria, ela olhava para a caixa amarela sobre o balcão e dizia:
- Meu filho, me dê logo duas”.

Marcos Mairton – Contos, Crônicas e Cordéis, in Besta Fubana

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