quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Papo furado

- Vou te dizer uma coisa: acho que dessa vez meti os pés pelas mãos.
- É. Talvez você tenha ido com muita sede ao pote…
- Talvez nada, fui sim. Parecia até que eu nunca tinha comido melado e me lambuzei todo. Carreguei muito nas tintas e acabei misturando alhos com bugalhos.
- De fato. Não separou o joio do trigo e acabou tratando Jesus como se fosse Genésio.
- E é porque meu pai sempre me dizia: “Se você encontrar uma tartaruga no galho de uma árvore, é porque alguém botou ela ali”. Agora, taí: cuspi pra cima e acertei na minha cara.
- Mas, será que a corda vai arrebentar mesmo do seu lado?
- Só arrebenta do lado mais fraco, né? Eu não posso é esperar que a linguiça vá engolir o cachorro.
- Tudo bem, mas o vento que sopra lá sopra cá…
- É, mas o rapaz lá tem as costas largas.
- Ouvi dizer. Mas, pelo que estou sabendo, você também tem alguma garrafa vazia pra vender, não?
- Ter eu tenho, mas seria atirar em elefante com espingarda de matar passarinho. A não ser que eu desse com a língua nos dentes e jogasse merda no ventilador, mas aí podia acabar sobrando despesa pra gente que não comeu nem bebeu…
- Não seria a primeira vez que os justos iriam pagar pelos pecadores…
- É, mas eu sou o tipo do cara que não gosta de puxar o tapete de ninguém. Sem contar que aí é que eu podia ficar mal na foto com todo mundo mesmo.
- Então, amigo, é melhor você se fingir de morto e esperar que a chuva passe.
- É o que eu vou fazer. Quem sabe se, depois que o mar pegar fogo, não sobra pra mim algum peixe assado?
- É isso aí. Nas maiores dificuldades é que surgem as melhores oportunidades.
- Então?… Pra fazer uma omelete, não tem que quebrar os ovos?
- É claro.
- Pois se é assim, assim é. Também, se nada der certo, não vou ficar chorando sobre o leite derramado. Eu perco os anéis, mas meus dedinhos tão aqui, ó, funcionando.
- Isso! Quem fala assim não é gago!
- É como eu sempre digo: cair, todo mundo cai; o importante é a gente ter coragem pra se levantar.
- Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!
- Boa, amigo! Disse pouco, mas disse tudo!
- É o mínimo que eu posso lhe oferecer: uma palavra amiga.
- O que não é muito, mas é o bastante. Às vezes, pela falta de um grito se perde uma boiada. Obrigado pela força.
- Não tem do que agradecer. Amigo é pra essas coisas mesmo.
- É, mas os amigos mais certos a gente descobre nas horas mais incertas…
- Pois, se precisar, ligue pra mim. Se eu não tiver o que dizer, pelo menos eu lhe escuto.
- E precisa mais que isso? Se falar fosse mais importante que ouvir, a gente nascia com um ouvido e duas bocas…
- É mesmo. Altas filosofias isso aí que você falou. Mas, agora tá na minha hora. Fui!
- Valeu. Vai pela sombra.

Marcos Mairton – Contos, Crônicas e Cordéis, in Besta Fubana

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