domingo, 20 de novembro de 2011

A garagem

chevette-branco

Zé do Burro costumava andar de carroça ou de bicicleta. A primeira, em suas atividades profissionais, no ramo de fretes; a segunda, para seus momentos de lazer. Mas o seu sonho sempre foi ter um carro para passear com a família.
Quando os bons ventos do aquecimento da economia sopraram a seu favor, Zé do Burro viu crescer a procura por seus serviços de transportes; aproveitou o aumento em sua renda e diversificou seus negócios, passando a atuar no mercado de resíduos sólidos recicláveis; até que conseguiu juntar dinheiro e realizar o seu sonho: comprar o seu primeiro carro, um chevette.
Um chevetinho branco, com alguns milhares de quilômetros rodados, mas relativamente bem conservado. Se já não suportava fazer longas viagens – pelo natural desgaste dos anos de uso – ao menos permitia alguns passeios pela cidade e facilitava o trajeto de Zé à missa dominical, na igrejinha que fica a dez quarteirões de sua casa. Integrado à família, o carro recebeu o carinhoso o nome de Chevinho.
O problema de Zé do Burro passou a ser então a necessidade de guardar o carro, pois ele não suportava a ideia de deixar Chevinho dormir na rua, e sua casa não tinha espaço suficiente para construir uma garagem que abrigasse confortavelmente o veículo de estimação. Sendo bem específico: para construir a garagem, Zé do Burro teria que abrir mão da sala e de parte do quarto.
Equação difícil de resolver. Foi aí que entrou em cena a criatividade de Zé do Burro, e ele usou o famoso “jeitinho brasileiro”. É bem verdade, que para isso o portão da garagem teve que avançar um pouco em direção à rua, mas, como Zé costuma dizer, “quase não passa ninguém ali… E a frente da casa da gente… é como uma coisa nossa”.
Agora, alguns vizinhos ficam dizendo que Zé está invadindo a rua, que a rua é pública, que isso, que aquilo.
- Pura inveja – defende-se Zé do Burro. – Esses que falam de mim fariam a mesma coisa se também tivessem carro.
De fato, nesse Brasil onde tantos tratam o que é público como se fosse propriedade particular, fica até complicado convencer Zé do Burro de que ele invadiu um espaço que é de todos, ou mesmo fazê-lo perceber que há algo de errado nisso.
- Não sei porque tanta confusão – diz ele. – Só por causa de um pedaço de calçada e um pouquinho da rua? Por mim, eles podem falar à vontade. O importante é que Chevinho ficou bem guardado.

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Marcos Mairton – Contos, Crônicas e Cordéis, in Besta Fubana

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