
Quem já teve a felicidade de ouvir essas histórias numa mesa de bar, de viva voz, riu com seu autor. Mas não deixou de perceber o fundo de melancolia que havia em tudo isso e que Nelson, no correr da madrugada, não procurava disfarçar. Era um triste. E, para saber disso, nem era preciso ouvir histórias ou conversar e beber com o compositor. Suas músicas falavam de tudo isso, mais do que ele próprio.
Só que tristeza, mal de amor, angústia diante da morte – nada disso faz um artista. Pode ser apenas um ponto de partida e nada mais. É no conjunto formado pela letra, música, o estilo único de tocar violão e voz que Nelson forjou sua nova versão do samba trágico, em que a dor de cotovelo é elevada à enésima potência, como reflexo de uma visão sombria da própria existência.
As letras, em parceria ou não, vestem-se de uma linha melódica inesperada. A progressão harmônica contempla mudanças bruscas de tonalidade como se esse mestre, sem qualquer formação musical, fosse um equilibrista das modulações. O toque no violão é rascante, próximo ao cavalete. E a voz é um prodígio pelo simples fato de ainda existir, esculpida em décadas de boemia, cigarro e álcool. Como enumerar tantas obras-primas saídas de condições tão díspares: Luz Negra, Pranto de Poeta, Mulher sem Alma, O Espinho e a Flor, Folhas Secas, Juízo Final? Um milagre, mais um milagre brasileiro.
Que Nelson traduza a infelicidade de maneira tão genial e pungente, de modo a nos fazer felizes com sua música – bem, este é um dos mais desconcertantes paradoxos da sua grande arte.
Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minh´alma à sua
O sol não pode viver perto lua.
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minh´alma à sua
O sol não pode viver perto lua.
É no espelho que eu vejo a minha mágoa
A minha dor e os meus olhos rasos d´água
Eu na sua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em teu amor...
A minha dor e os meus olhos rasos d´água
Eu na sua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em teu amor...
Composição: Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
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