segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Enterrem meu coração na curva do rio - Apresentação

Nos velhos tempos em que o mocinho ganhava do bandido e casava com a mocinha, ninguém era mais bandido que o índio. Quando os pacíficos colonos vinham falando de uma nova terra prometida, a câmara ia para os altos das escarpas próximas e era inevitável: lá estavam as silhuetas odiadas. Confusão. Berros. O mocinho dava as ordens, os carroções ficavam em círculo. Corte. Um índio velho, cheio de penas, dava um berro ou agitava uma lança. Lá ia o bando de gente pintada berrando. Corte. O mocinho, fazendo careta, dizia para o idiota ao lado que não devia atirar. "Espere. Temos pouca munição”. Lá vinham os índios, o mocinho dizia "agora" e começava a cair gente pintada do cavalo. Mas a pouca munição provocava caretas desesperadas no mocinho, cercado de gente ferida. Até o idiota estava ferido. Quando a mocinha (que estava carregando os rifles) dizia que era a última carga, soava o clarim salvador da Cavalaria e milhões de Casacos Azuis encurralavam um punhado de índios, acabando com todos. Beijo final. The End.
Mas, e a verdade? Enterrem meu Coração na Curva do Rio (Bury My Heart at Wounded Knee), o best-seller de Dee Brown, conta o outro lado da história, é uma História índia do Oeste Americano. Os mocinhos, de repente, não têm a pele branca. Pelo menos, a maioria. Têm nomes que, nos filmes, eram perseguidos por bandos comandados por John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart: Cochise, Gerônimo, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido, Victorio, Touro Sentado, Gralha...
A tal gente pintada que berrava é um povo altivo, nobre, com uma cultura própria, que só entra em guerra defendendo o direito de viver nas terras que sempre foram suas. Contra eles, um dos maiores exércitos da época, armado com as últimas descobertas da tecnologia bélica para enfrentar mosquetões obsoletos e arcos e flechas.
Os brancos guardam a memória dos massacres Fetterman e de LittIe Big Horn, onde morreu o General Custer. Ficou relegado aos livros especializados e aos documentos de acesso difícil o grande número de massacres de aldeias índias, com morte a sangue-frio de velhos, mulheres e crianças. Massacres que, comparados a My Lai, são como um filme de Sam Peckinpah ao lado de um desenho de Walt Disney.
Dee Brown, nesta sua obra que veio na hora certa, quando a consciência do povo norte-americano estava sendo incomodada pela guerra vietnamita e pela questão racial, conseguiu mostrar, em primeiro lugar, a grande tragédia do índio, uma minoria incômoda para a expressão desenvolvimentista de uma nação em progresso, que precisava de terras para ampliar seu território, para fazer estradas e colonizar o interior.
O resultado foi fulgurante. Após Enterrem meu Coração na Curva do Rio, a opinião pública se voltou para o índio. Uma avalanche de livros e filmes ("Pequeno Grande Homem" e "Seven Arrows", por exemplo) realizou a tardia revisão histórica da "epopéia" da conquista do Oeste.
O livro de Dee Brown chegou as listas de best-sellers e passou mais de um ano sacudindo consciências e revelando uma face triste da formação dos Estados Unidos, reabilitando os pobres sub-humanos mostrados pelo cinema e televisão de grande consumo.
Revela outro aspecto importante dessas décadas impiedosas: o papel do homem branco como agente poluidor da natureza exuberante da região habitada pelos índios. Os brancos introduziram a fumaça dos trens, o uísque, as doenças infecciosas e acabaram com as florestas e a vida selvagem. 

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