O escritor argentino Jorge Luis Borges (todo mundo sabe que é Borges é argentino, ora bolas), em conversa com sua colega brasileira Lygia Fagundes Telles, num congresso de escritores aqui no Brasil, disse-lhe que o homem deixa de viver quando perde a capacidade de sonhar. Lembra-me isso a propósito não sei mesmo de quê. E fico pensando nessa circunstância humana.
Assim mesmo, fazendo a ligação entre os dizeres de homens de pensamento, universais ou não, aproximadamente dizeres de pessoas sem cultural nenhuma, e que nos passam despercebidos pelo fato, simples e único, de serem estas quem são. Bem confrontados, digo, tais dizeres, logo verificamos que dão na mesma coisa. O que decerto vai encontrar sua explicação na antropologia cultural.
Mas vamos deixar à parte esse aspecto da questão para os sabidos nessas coisas, e fiquemos mesmo com o nosso feijão com arroz, como corre no uso vulgar. Pois bem; pensando no conceito filosófico de Borges relativo à circunstância humana, de logo me acudiu à memória um velho analfabeto, que conheci, eu pouco mais do que adolescente, e que costumava dizer mais ou menos isso.
E era que o homem precisava da crença na existência de Deus e, daí, da esperança de uma vida para além da morte, unicamente para pode existir. Uma forma inelutável de suportar o absurdo o absurdo cósmico. Evidente que, sendo analfabeto, ele o dizia do seu jeito, mas que, enfim, vem a dar no mesmo. Nunca duvidei disso, confesso, somente, e apenas, da capacidade de iludir-se tão fácil.
Pois era ele, como devo dizer, sim, isto mesmo, um ateu religioso, e religioso desses de rosário ao pescoço e de procissões católicas, carregando o andor. Bem; eu sei, não ficou tudo bem explicado. Quero dizer - aonde queria mesmo chegar com essa afirmativa, que, agora esclareço, não ficava somente até aí. Botava-lhe depois um penduricalho filosófico, aparentemente paradoxal.
Vai a explicação. Queria significar que, incontestavelmente, o homem precisa de Deus somente durante a vida, ainda mais se esta o cumula de grandes sofrimentos. Uma fé existencial, portanto. Mas, na hora de arribar deste mundo - aí, absolutamente não; ao contrário do que ensinam os dogmas da fé. Por quê? Porque, na morte, a liquidação da entidade humana é total. Conta liquidada.
José Nicodemos, coluna Outras Palavras, no Jornal de Fato de 15/09/2011
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