domingo, 24 de julho de 2011

Trecho final de "Os Sertões", de Euclides da Cunha




O cadáver do Conselheiro

          Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.
        Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam desparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do "famigerado e bárbaro" agitador.    Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato, e esquálido, olhos fundos cheios de terra - mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.
          Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa - único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! - , faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos.
      Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto aquele terribilíssimo antagonista.
      Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita - e, como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores...
     Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura... 

Capítulo VII

Duas linhas

         É que ainda não existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades...

FIM


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