Uma pedra
exilada de seu berço
— qual regato? Que fundo de rio?
Que borda de serra? —
veste roupa, conquista um nome
e nova missão sobre a terra:
dar vida à lâmina
que imortaliza a laranja
com o perfume do sumo.
As grosseiras mãos de um velho senhor
preparam o canivete
para o corte do fumo,
e a pedra
permanece desperta
sem cansaço ou ardor.
Testemunha silente,
a pedra oferece a pele
ao renascer da faca
e observa, alheia,
a chuva no terraço, goteiras na sala,
o sol a queimar as samambaias
e as lâminas cegas de velhice,
sobreviventes
ao homem trêmulo
e impotente,
que tenta afiar o olhar
na pedra de amolar.
Um dia, nos escombros do futuro,
em certo altar abandonado,
entre paredes e entulhos
de um alpendre, um terraço,
ossos, restos, rastros sobre a terra,
irremediavelmente oculta
ou apenas insepulta,
lá estará a pedra
insone,
a recordar, sem saudade,
um regato, um leito de rio,
uma borda de serra.
Alexandre Marino, poeta mineiro
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