Ando esses dias numa crise de saudades. Da Areia Branca do meu tempo. Coisas e pessoas. As ruas antigas, com seu casario quase igual, algumas vezes as casas separadas entre si a intervalos de moitas cheias de borboletas. As janelas abertas para o vento, deixando ver na sala da frente o Coração de Jesus na parede, numa mesinha de toalha branca um jarro de flores de papel, outras vezes uma estatueta.
Mas é da velha praça de defronte da Prefeitura que me vem a saudade maior: as reuniões da rapaziada, à noite, até que a luz do motor avisasse, com três sinais, que ia apagar-se. Ali pelas onze. Saíamos em bando na direção de casa, separando-nos a cada esquina, não sem antes rir à larga lembrando uma anedota mais salgada do Didinha - por índole e jeito o mais engraçado contador de anedotas da cidade.
Da minha turma, eu era o único que cultivava o hábito da leitura, mas evitava falar sobre livros e autores: seria fatalmente reprovado - no mínimo, um chato. Também era eu o único metido a poeta e assuntos dessa natureza, só quando sucedia ficar a sós com José Alexandre ou Manoel do Vale - que só de raro em raro davam o ar de sua graça na roda. Logo cedo. A turma ia chegando, muda-se o assunto.
Algumas vezes, a cidade já no escuro, da praça tomávamos o rumo dos cabarés: naquele tempo muitas mulheres bonitas - que vinham atraídas pela fama de Areia Branca como a cidade do dinheiro - afinal, naquelas eras, situava-se entre os seis portos marítimos mais movimentados do Brasil: exportávamos sal, algodão, cera de carnaúba, óleo de oiticica, peles, outros produtos aqui da região.
Hoje a praça não é mais a mesma, com seus pés de fícus e seus bancos coloniais, no centro o coreto da banda de música de Antônio Silvino e Pedro Abílio. O tempo levou tudo - a primeira praça e os primeiros sonhos, que sonhávamos na cumplicidade das brisas que restavam do vento nordeste das tardes poeirentas. Somente deixando-me, para as minhas horas antigas, esse remanso de saudades me ferindo os olhos.
José Nicodemos, in Jornal de Fato de 18/06/2011
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