terça-feira, 5 de abril de 2011

Trecho de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, em que o autor disserta sobre o valor da mentira nas relações sociais

       "[...] Digo apenas que o homem mais probo que conheci em minha vida foi um certo Jacó Medeiros ou Jacó Valadares, não me recorda bem o nome. Talvez fosse Jacó Rodrigues ; em suma, Jacó. Era a probidade em pessoa; podia ser rico, violentando um pequenino escrúpulo, e não quis; deixou ir pelas mãos fora nada menos de uns quatrocentos contos; tinha a probidade tão exemplar, que chegava a ser miúda e cansativa. Um dia, como nos achássemos a sós, em casa dele, em boa palestra, vieram dizer que o procurava o Doutor B., um sujeito enfadonho. Jacó mandou dizer que não estava em casa.
       - Não pega, bradou uma voz do corredor; cá estou de dentro.
      E, com efeito, era o Doutor B., que apareceu logo à porta da sala. Jacó foi recebê-lo, afirmando que cuidava ser outra pessoa, e não ele, e acrescentando que tinha muito prazer com a visita, o que nos rendeu hora e meia de enfado mortal, e isto mesmo, porque Jacó tirou o relógio; o Doputor B. perguntou-lhe então se ia sair.
        - Com minha mulher, disse Jacó.
      Retirou-se o Doutor B. e respiramos. Uma vez respirados, disse eu ao Jacó que ele acabava de mentir quatro vezes, em menos de duas horas: a primeira, negando-se; a segunda, alegrando-se com a presença do importuno; a terceira, dizendo que ia sair; a quarta, acrescentando que com a mulher. Jacó refletiu um instante, depois confessou a justeza da minha observação, mas desculpou-se dizendo que a veracidade absoluta era incompatível com um estado social adiantado e que a paz das cidades só se podia obter à custa de embaçadelas recíprocas... Ah! lembra-me agora; chamava-se Jacó Tavares."
         

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