O ayapaneco, língua falada no México há muitos séculos, está ameaçada de sumir. Só restam dois índios que a falam com fluência. Um tem 75 anos, o outro tem 69, mas os dois são “intrigados”. Não se falam há muito tempo, e com isso o ayapaneco está em vias de extinção. Algo parecido está ocorrendo com o forró nordestino. Já foi a música mais tocada no país, no tempo de “Asa Branca”. Agora, está sendo suplantada por outros tipos de música que espertamente lhe tomaram o nome, invadiram seu território, colonizaram seu público. Se os falantes do forró não começarem a conversar e a tomar providências juntos, essa idioma musical deixará de existir. Ou melhor, haverá no Brasil inteiro uma coisa chamada “forró” atraindo dezenas de milhares de jovens para as festas. Mas – nomes à parte – aquele tipo de música não existirá mais.
O forró está sendo esmagado pelo chamado “forró de plástico”, que é uma musiquinha alegre, sacudida, boa de dançar, com letras bobas ou ruins com-força. É uma variedade da lambada; recorre ao palavrão e a dançarinas seminuas, o que em princípio não é pecado, a não ser quando se torna (como é o caso) uma receita obrigatória e a principal atração. É duro assistir um show de uma hora onde a melhor coisa do show são as pernas das dançarinas, e as frases que fazem vibrar a platéia são apenas as que dizem palavrões (em geral insultando parte da platéia). Uma ou duas músicas assim... Vá lá que seja. O show inteiro? Quem ouve isso, e gosta, merece o que está escutando.
Além disso, o forró de plástico recorre a práticas que corroem há tempos nosso mercado musical. A primeira é o jabá (suborno de radialistas e de diretores de rádios), que tem dois tipos: o “jabá pra tocar minha música” e o “jabá pra não tocar de jeito nenhum a música de Fulano e Sicrano”. Ganhar concessões de rádios e usá-las para divulgar as próprias músicas é uma versão legalizada desse processo, mas é legal somente porque os critérios para concessões de rádios e TV no Brasil são uma calamidade. A grande imprensa combate, como se fosse o fim do mundo, a cópia não-autorizada de CDs ou o download gratuito de músicas. Por que não fala nos critérios de concessão de rádios e TVs, que são uma catástrofe ainda pior para o país?
O forró de plástico está criando a monocultura da produção de uma coisa única, repetida, uniforme. Monocultura é o contrário de cultura. Cultura é o reino da diversidade, das manifestações livres dos indivíduos e dos pequenos grupos. A monocultura é uma imposição de-cima-para-baixo, feita por um grupo que fabrica e vende uma música igual até que o povo não suporte mais a música igual mas não saiba mais como fazer a música diferente, e com isso as duas morrerão juntas. O forró de plástico destrói o forró e destruirá a si mesmo no futuro. Sua repetitividade e mau gosto esgotam em seu próprio público o prazer e o significado de ouvir música.
Artigo de Bráulio Tavares, postado no Mundo Fantasmo em 29/04/2011
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