sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

O Azarão | 12


Se você está se perguntando se fomos atrás do nosso amigo Bruce Patterson, bem, não fomos. Planejamos tudo, mas simplesmente não levamos adiante. Havia coisas mais importantes para resolver em casa, como a frieza com que mamãe e papai tratavam Rube e eu. Sem dúvida, estavam muito infelizes com o tipo de vida que levávamos e com o talento que tínhamos para envergonhá-los. Você também pode achar que essa frieza pode ter diminuído nosso entusiasmo para nos vingarmos, de alguma forma, do Bruce por causa da Sarah, mas não foi isso. Não, de verdade. Steve também nos disse pra deixar pra lá. Ele tinha voltado à rotina de “Eu sou melhor que vocês” e nos chamou de idiotas. Tudo isso me intimidou um pouco, mas não ao Rube. Ele estava animado como sempre e realmente acreditava que não éramos responsáveis pelo ataque cardíaco do cachorro do vizinho. Me explicou que não tínhamos culpa se o cachorro idiota era frágil feito papel.
Droga, não é proibido jogar futebol no próprio quintal, é? — perguntou ele.
Acho que não.
Você sabe que não.
Imagino que sim.
Pensamos naquilo por uns dias, e Rube finalmente entrou em nosso quarto e me contou o plano e seu significado. Falou: — Cam, esse vai ser meu último trabalho. — Dava até pra pensar que o cara era o Al Capone ou coisa que o valha. — Sabe, depois desse último esforço, vou parar com essa brincadeira de assaltos, roubos e vandalismo.
Mas como é que você vai se aposentar se nem chegou a fazer carreira?
Ah, cala a boca. Confesso que tive meus altos e baixos, mas isso tem que parar por aqui. Não acredito no que estou dizendo, mas eu tenho que crescer.
Pensei um pouco, sem querer acreditar, e então perguntei: — E o que vamos fazer? — Fácil. — Foi a resposta dele. — Ovos.
Ah, fala sério. — Reclamei. — Podemos fazer coisa muito melhor que uns ovos nojentos.
Não podemos, não. — Pela primeira vez na vida, eu ouvia o Rube falar sobre o assunto com um tom de realidade na voz. — A verdade, cara, é que somos casos perdidos.
Só pude assentir ao ouvir isso. Então, falei: — Tá bem. — E ficou decidido que, na sexta à noite, iríamos até a casa de Bruce Patterson para jogar ovos no belo carro vermelho dele. Talvez, na porta da frente e nas janelas da casa também. Fiquei feliz de verdade por ser a última vez, porque já estava ficando enjoado disso.
Outro fato inevitável fez a história toda mais difícil do que devia ser. Era o fato de que eu ainda não conseguia parar de pensar em Rebecca Conlon. Simplesmente não conseguia, por mais que tentasse. Pensei nela e fiquei imaginando se ela estaria lá essa semana, ou se teria saído de novo, seguindo a vida sem mim. De vez em quando, isso me magoava; outras vezes, me convencia de que tudo isso era muito arriscado. Basta olhar para o Bruce e a Sarah, falei para mim mesmo. Aposto como o cara estava tão obcecado com a Sarah quanto eu com essa outra garota, e aposto que ele prometeu a si mesmo nunca magoá-la, assim como andei fazendo. E olha o que ele fez com a Sarah. Ele a deixou completamente perdida, deitada na cama o tempo todo.
Quando chegou a sexta à noite, acho que Rube e eu estávamos muito cansados para continuar com aquela história toda. Estávamos cansados de nós mesmos e, com duas caixas de ovos guardadas no nosso quarto, resolvemos não ir.
Ah, bem, é isso então — falou Rube. — Se você tem que pensar tanto tempo sobre isso, não vale a pena.
E o que vamos fazer com os ovos?
Comer, acho.
O quê? Doze, cada?
É o que parece.
Por um tempo, deixamos os ovos debaixo da cama do Rube, mas ainda fui sozinho até a casa do Bruce.
Fui lá depois do jantar e passei pelo carro dele, imaginando que tinha jogado os ovos nele. A ideia era, no mínimo, ridícula.
Acabei rindo enquanto batia na porta, embora o sorriso tenha sumido do meu rosto quando uma garota, que imaginei ser a substituta da Sarah, atendeu. Ela abriu a porta e ficou olhando para mim através da porta de tela.
O Bruce está por aí? — perguntei.
Ela fez que sim com a cabeça. — Quer entrar?
Não, estou bem aqui. — Esperei do lado de fora, na varanda.
Quando Bruce me viu, pareceu bastante confuso. Não éramos amigos nem nada. E também não tínhamos uma piscina para ele me empurrar nela, nem jogávamos bola juntos por aí. Não. A gente nem se falava direito, e eu podia ver que ele tinha medo que eu fosse aprontar alguma. Eu não ia.
Tudo que fiz foi esperar ele sair de casa para podermos conversar. Só uma pergunta. Era tudo que eu tinha, quando nos inclinamos na grade, fitando a rua.
Fiz a pergunta.
Quando você viu minha irmã pela primeira vez... você prometeu a si mesmo que nunca iria magoá-la?
O silêncio durou um tempo; então, ele respondeu. Falou: — Prometi, sim.
Depois de uns instantes, saí. Ele gritou: — Ei, Cameron.
Virei.
Como ela está?
Sorri, de cabeça em pé, decidido.
Bem. Ela está bem.
Ele assentiu, e falei: — Nos vemos depois.
Claro. Nos vemos depois, cara.
Em casa, a noite não tinha acabado. O que aconteceu não foi um ato de vandalismo, mas de simbolismo.
Por volta das oito e meia, Rube entrou no quarto e estava diferente. O que era? A barba se fora.
Quando ele apresentou ao restante da família o rosto pós-selvagem, ouviram-se palmas e suspiros de alívio. Sem rosto selvagem. Sem mais comportamento selvagem.
Continuei ouvindo Bruce Patterson me dizer que prometera nunca magoar a minha irmã. Isso me perseguiu, mesmo quando eu assistia a um filme extremamente violento na tevê. Continuei ouvindo a voz dele e fiquei imaginando se ia magoar Rebecca Conlon, se, primeiro, ela me deixasse chegar perto dela. Me perseguiu a noite toda.

Eu e ela estamos na selva. Não vejo seu rosto, mas sei que estou com Rebeca Conlon. Eu a puxo pela mão, e estamos correndo muito rápido, nos abaixando ao passar por árvores contorcidas, com dedos que eram galhos e que se espalhavam feito um teto radiado sob o céu cinza.
Mais rápido — digo para ela.
Por quê — É a pergunta que faz.
Porque ele está vindo.
Quem está vindo? Não respondo porque não sei. A única coisa de que tenho certeza é que posso ouvir os passos atrás de nós na floresta. Posso ouvir alguém que se curva para a frente enquanto corre, vindo atrás de nós.
Vamos — falo mais uma vez para ela.
Chegamos a um rio e mergulhamos, avançando apressados, na água gelada.
Continuamos. Sem palavras. Nenhum "por aqui".
Ela sorri, aliviada.
Não vejo.
Eu sei.
Sentamos bem no fundo de uma caverna, e ouvimos a água pensativa do rio, no lado de fora, descendo, descendo. Lenta. Real. Consciente.
Ela cai.
No sono.
Está tudo bem — digo, e eu a sinto nos meus braços. Meus próprios olhos também tentam dormir, mas não conseguem. Ficam bem abertos enquanto o tempo gira e o silêncio desce, feito pensamento medido. Nem consigo mais ouvir o rio.
Quando.
O vulto aparece na caverna.
Entra e para.
É leve.
Nós.
Tem uma arma.
Observa.
Sorri.
Embora não possa ver seu rosto, sei que sorri.
O que você quer? — pergunto, com medo, mas baixinho para não acordar a garota nos meus braços.
O vulto não diz nada. Continua andando. Lento. Hesitante. Não.
Um som, como se algo se partisse. Da arma que o vulto segura, sobe a fumaça. Sobe até o rosto dele e o envolve. Ele me diz que uma coisa horrível aconteceu, e Rebecca Conlon se mexe um pouco no meu colo.
Acende um fósforo.
Luz.
Olho para ela.
Sei!
Isso.
Ela está ferida, sem dúvida, porque vejo sangue pingando do coração dela. Lento. Real.
Olho para a frente. O vulto segura o fósforo aceso, e vejo o rosto dele. Os olhos, os lábios e a expressão são meus.
Mas você prometeu — digo, e grito, tentando acordar. Preciso acordar e saber que nunca a magoaria.

Markus Zusak, in O Azarão

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