Minha
amiga Lila Bôscoli, que faz com muita eficiência e graça a crônica
feminina de Ultima Hora do Rio, telefonou outro dia para saber o que
eu achava da mulher foliona. Ela se referia a essa que dança
cantando, de braços abertos, no salão ou em cima da mesa, nos
bailes de carnaval. Pela maneira de Lila fazer a pergunta percebi que
ela esperava que eu “pichasse” a foliona. Pois respondi com
sinceridade: “adoro”.
Lila
acha que há falta de linha e exibicionismo nessa maneira de brincar.
Exibicionismo ou “semonstração”, como dizia Mário de Andrade,
há muito no carnaval; mas o que em outras ocasiões é ridículo e
de mau gosto, no carnaval fica sendo engraçado e bem. É próprio do
espírito carnavalesco a pessoa perder o medo ao ridículo que a
inibe o ano inteiro, se soltar, se espalhar, se exibir. Já conheci
muita moça bonita, de ar sério e recatado, que passa o ano inteiro
cultivando o mito da própria altivez e no carnaval se veste de
prata, de escrava ou de havaiana e se esbalda, sorrindo e rebolando
para todos, cantando as letras maliciosas, saltando durante horas em
volta do salão, em cima da cadeira ou da mesa.
Sim,
adoro mulher fantasiada, porque sua beleza ganha uma graça nova,
inesperada, uma como que verdade superior, uma completação de
sonho. Nunca vi mulher tão bonita como mulher bonita em carnaval; o
instinto a leva a se despir e vestir com a sabedoria do jogo dos
espaços de carne e de cores, ela põe a imaginação a serviço do
esplendor e da graça de si mesma. Ah, é uma grande coisa, o
carnaval!
Impossível
negar o que há de sensualismo e de malícia em um baile de carnaval;
mas exatamente nas grandes folionas é que essa malícia e esse
sensualismo atingem um grau de gratuidade e de pureza, se desligam do
prazer individual para ser uma integração na música e na alegria
de todos; ela não tem par, ou não dá ao par nenhuma importância
especial, ela goza o prazer de todos e de si mesma, ela se entrega ao
ritmo com uma espécie de devoção. Essa, sim, essa é quem brinca o
carnaval, é quem lhe dá o encanto e o prestígio, a ilusão, a
misteriosa grandeza humana que outra festa nenhuma tem. Viva a moça
do carnaval, a que se entrega toda, braços abertos para o alto, à
sua magia e ao seu generoso fascínio, viva a moça que avança no
fervor das noites acesas de fevereiro, princesa de lantejoulas
imortais, guerreira de joelhos incessantes, e graça imperecível —
viva para sempre, no seu minuto feliz de esplendor e alegria, a moça
do carnaval!
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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