sexta-feira, 23 de junho de 2023

A moça do carnaval

Minha amiga Lila Bôscoli, que faz com muita eficiência e graça a crônica feminina de Ultima Hora do Rio, telefonou outro dia para saber o que eu achava da mulher foliona. Ela se referia a essa que dança cantando, de braços abertos, no salão ou em cima da mesa, nos bailes de carnaval. Pela maneira de Lila fazer a pergunta percebi que ela esperava que eu “pichasse” a foliona. Pois respondi com sinceridade: “adoro”.
Lila acha que há falta de linha e exibicionismo nessa maneira de brincar. Exibicionismo ou “semonstração”, como dizia Mário de Andrade, há muito no carnaval; mas o que em outras ocasiões é ridículo e de mau gosto, no carnaval fica sendo engraçado e bem. É próprio do espírito carnavalesco a pessoa perder o medo ao ridículo que a inibe o ano inteiro, se soltar, se espalhar, se exibir. Já conheci muita moça bonita, de ar sério e recatado, que passa o ano inteiro cultivando o mito da própria altivez e no carnaval se veste de prata, de escrava ou de havaiana e se esbalda, sorrindo e rebolando para todos, cantando as letras maliciosas, saltando durante horas em volta do salão, em cima da cadeira ou da mesa.
Sim, adoro mulher fantasiada, porque sua beleza ganha uma graça nova, inesperada, uma como que verdade superior, uma completação de sonho. Nunca vi mulher tão bonita como mulher bonita em carnaval; o instinto a leva a se despir e vestir com a sabedoria do jogo dos espaços de carne e de cores, ela põe a imaginação a serviço do esplendor e da graça de si mesma. Ah, é uma grande coisa, o carnaval!
Impossível negar o que há de sensualismo e de malícia em um baile de carnaval; mas exatamente nas grandes folionas é que essa malícia e esse sensualismo atingem um grau de gratuidade e de pureza, se desligam do prazer individual para ser uma integração na música e na alegria de todos; ela não tem par, ou não dá ao par nenhuma importância especial, ela goza o prazer de todos e de si mesma, ela se entrega ao ritmo com uma espécie de devoção. Essa, sim, essa é quem brinca o carnaval, é quem lhe dá o encanto e o prestígio, a ilusão, a misteriosa grandeza humana que outra festa nenhuma tem. Viva a moça do carnaval, a que se entrega toda, braços abertos para o alto, à sua magia e ao seu generoso fascínio, viva a moça que avança no fervor das noites acesas de fevereiro, princesa de lantejoulas imortais, guerreira de joelhos incessantes, e graça imperecível — viva para sempre, no seu minuto feliz de esplendor e alegria, a moça do carnaval!

Rubem Braga, in A traição das elegantes

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