Era
uma noite quente nas corridas de quarto de milha. Ted chegara
trazendo duzentos dólares, e agora, entrando no quarto páreo,
estava com quinhentos e trinta. Conhecia os cavalinhos. Talvez não
fosse muito bom em nada mais, mas conhecia os cavalinhos. Ted ficou
olhando o placar e as pessoas. Elas não tinham a menor capacidade
para avaliar um cavalo. Mas mesmo assim trazem o seu dinheiro e seus
sonhos para as pistas. O hipódromo tinha uma dupla de dois dólares
em quase toda corrida para atraí-los. Isso e o Pick-6. Ted jamais
escolhia o Pick-6 nem as duplas. Só a vitória direta no melhor
cavalo, que não era necessariamente o favorito.
Marie
enchia tanto o saco sobre sua ida às corridas que ele só ia duas ou
três vezes por semana. Vendera sua empresa e se aposentara cedo do
ramo da construção. Na verdade não havia muito mais coisas que ele
pudesse fazer.
Os
quatro cavalos pareciam bons a seis por um, mas ainda havia dezoito
minutos para a chegada. Sentiu um puxão na manga do paletó.
– Perdão,
senhor, mas eu perdi nas duas primeiras corridas. Vi o senhor
trocando suas pules. O senhor parece exatamente um cara que sabe o
que está fazendo. Quem prefere nessa próxima corrida?
Era
uma ruiva, de uns vinte e quatro anos, quadris estreitos, seios
surpreendentemente grandes, pernas compridas, um lindo narizinho
arrebitado, boca de flor, usando um vestido azul-claro e sapatos
brancos de saltos altos. Os olhos azuis dela olhavam-no de baixo para
cima.
– Bem
– sorriu-lhe Ted –, eu geralmente prefiro o vencedor.
– Estou
acostumada a jogar em puros-sangues – disse a ruiva. – Esses
páreos de quarto de milha são muito rápidos!
– É.
A maioria é corrida em menos de dezoito segundos. A gente descobre
muito rápido se acertou ou errou.
– Se
minha mãe descobrisse que estou aqui perdendo meu dinheiro, ela me
daria uma surra de cinto.
– Eu
mesmo gostaria de lhe dar uma surra de cinto – disse Ted.
– Você
não é desses, é? – ela perguntou.
– Brincadeira
– disse Ted. – Vamos, vamos ao bar. Talvez a gente consiga
escolher um vencedor pra você.
– Tudo
bem, Sr...?
– Pode
me chamar de Ted. E você, como se chama?
– Victoria.
Entraram
no bar.
– Que
vai tomar? – perguntou Ted.
– O
que você tomar – disse Victoria.
Ele
pediu dois Jack Daniels. De pé, ele virou o seu, e ela bebericou o
dela, olhando direto em frente. Ted conferiu o traseiro dela:
perfeito. Era melhor do que muita candidatazinha ao estrelato no
cinema, e não parecia mimada.
– Agora
– disse Ted, apontando seu programa – na próxima corrida o
cavalo quatro aparece melhor, e está dando possibilidades de seis
por um...
Victoria
exalou um “Ooohhh...?” muito sexy. Curvou-se para olhar o
programa dele, tocando-o com o braço. Depois ele sentiu a perna dela
comprimir-se contra a sua.
– As
pessoas não sabem avaliar uma corrida – ele disse. – Me mostre
um cara que sabe avaliar uma corrida, que eu lhe mostro um cara que
pode ganhar todo o dinheiro que possa levar.
Ela
sorriu para ele.
– Eu
queria ter o que você tem.
– Você
tem muita coisa, boneca. Quer outra bebida?
– Oh,
não, obrigada...
– Bem,
escuta – disse Ted –, é melhor fazermos as apostas.
– Tudo
bem, vou apostar dois dólares no vencedor. Qual é, o cavalo número
quatro?
– É,
boneca, é o quatro...
Fizeram
suas apostas e saíram para assistir ao páreo. O quatro não largou
bem, foi abalroado de ambos os lados, endireitou-se, ficou em quinto
num campo de nove, mas aí começou a acelerar e chegou à linha
cabeça a cabeça com o favorito de dois a um. Foto.
Porra,
pensou Ted, eu tenho de ganhar essa. Por favor, me dê essa!
– Oh
– disse Victoria –, estou tão excitada!
O
placar anunciou o número. Quatro.
Victoria
gritou e pulou de alegria.
– Nós
ganhamos, nós ganhamos, nós GANHAMOS!
Agarrou
Ted e ele sentiu o beijo no rosto.
– Vá
com calma, boneca, o melhor cavalo venceu, só isso.
Esperaram
o aviso oficial e aí o placar exibiu o pagamento. Quatorze dólares
e sessenta.
– Quanto
você apostou? – perguntou Victoria.
– Quarenta
no vencedor – disse Ted.
– Quanto
vai receber?
– Duzentos
e noventa e dois. Vamos pegar.
Dirigiram-se
para os guichês. Então Ted sentiu a mão de Victoria na sua. Ela o
fez parar.
– Se
abaixe – ela disse –, que eu quero dizer uma coisa em seu ouvido.
Ted
abaixou-se, sentiu os frios lábios róseos dela em sua orelha.
– Você
e um... mágico... Eu quero... foder com você...
Ele
ficou ali parado sorrindo debilmente para ela.
– Deus
do céu – disse.
– Que
é que há? Está com medo?
– Não,
não, não é isso.
– Que
é que há então?
– É
Marie... minha esposa... eu sou casado... e ela me controla no mínimo
minuto. Sabe quando as corridas acabam e quando devo chegar.
Victoria
deu uma risada.
– A
gente sai agora! Vamos a um motel!
– Bem,
claro – disse Ted...
Trocaram
as pules e voltaram para o estacionamento.
– Vamos
no meu carro. Eu trago você de volta quando a gente acabar – disse
Victoria.
Foram
ao carro dela, um Fiat azul 1982, combinando com o vestido. A placa
dizia VICKY. Quando ela pôs a chave na porta, hesitou.
– Você
não é mesmo um daqueles, é?
– Daqueles
quais?
– Que
batem com o cinto, um daqueles. Minha mãe teve uma experiência
terrível uma vez...
– Relaxe
– ele disse. – Eu sou inofensivo.
Encontraram
um motel a pouco mais de dois quilômetros do hipódromo. O Lua Azul.
Só que a Lua Azul estava pintada de verde. Victoria estacionou e
saltaram, se registraram, deram-lhes o quarto 302. Tinham parado para
pegar uma garrafa de Cutty Sark no caminho.
Ted
rasgou a embalagem de celofane dos copos, acendeu um cigarro e serviu
duas doses enquanto Victoria se despia. A calcinha e o sutiã eram
cor-de-rosa, e o corpo cor-de-rosa e branco e lindo. Era espantoso
como de vez em quando se criava uma mulher daquelas, quando todas as
outras, a maioria das outras, não tinham nada, ou quase nada. Era de
enlouquecer. Victoria era um sonho lindo, enlouquecedor.
Victoria
estava nua. Aproximou-se e sentou-se na borda da cama junto a Ted.
Cruzou as pernas. Tinha os seios firmes e parecia já estar com
tesão. Ele realmente não acreditava em sua sorte. Aí ela deu uma
risadinha.
– Que
foi? – ele perguntou.
– Está
pensando em sua mulher?
– Bem,
não, estava pensando em outra coisa.
– Bem,
devia pensar em sua mulher...
– Diabos
– disse Ted –, foi você quem sugeriu a foda!
– Eu
gostaria que você não usasse essa palavra...
– Está
recuando?
– Bem,
não. Escuta, tem um cigarro?
– Claro...
Ted
pegou um, entregou a ela, acendeu-o e ela o manteve na boca.
– Você
tem o corpo mais lindo que eu já vi – disse Ted.
– Eu
não duvido – ela disse, sorrindo.
– Escuta,
você está recuando dessa coisa? – ele perguntou.
– Claro
que não – ela respondeu –, tire a roupa.
Ted
começou a despir-se, sentindo-se gordo, velho e feio, mas também
sortudo – tinha sido seu melhor dia nas corridas, em muitos
aspectos. Dobrou suas roupas numa cadeira e sentou-se junto a
Victoria.
Serviram
mais um drinque para cada um.
– Sabe
– ele disse –, você é um número de classe, mas eu também sou.
Nós dois temos nossa própria maneira de mostrar isso. Eu faturei
uma nota no ramo da construção, e ainda estou faturando nas
corridas. Nem todo mundo tem esse instinto.
Victoria
bebeu metade de seu Cutty Sark e sorriu para ele.
– Oh,
você é meu grande Buda gordo!
Ted
enxugou a sua bebida.
– Escuta,
se você não quiser, a gente não faz. Esqueça.
– Me
deixa ver o que é que Buda tem aí...
Victoria
baixou o braço e enfiou a mão entre as pernas dele. Pegou-o,
segurou-o.
– Oh,
oh... estou sentindo uma coisa... – disse.
– Claro...
E daí?
Então
ela baixou a cabeça. Beijou-o a princípio. Depois ele sentiu que
ela abria a boca, e a língua.
– Sua
puta! – disse.
Victoria
ergueu a cabeça e olhou-o.
– Por
favor. Eu não gosto de palavrão.
– Tudo
bem, Vicky, tudo bem. Nada de palavrão.
– Se
meta entre os lençóis, Buda.
Ted
se meteu e sentiu o corpo dela junto ao seu. A pele era fria, e a
boca abriu-se e ele a beijou e enfiou a língua. Gostava daquilo
assim, fresco, com o frescor da primavera, jovem, novo, bom. Que
prazer do caralho. Ia lascar ela ao meio! Masturbou-a, ela demorou
muito para gozar. Depois ele a sentiu abrir-se e enfiou o dedo.
Pegara-a, a puta. Puxou o dedo e esfregou o clitóris. Você quer
aquecimento, vai ter aquecimento!, pensou.
Sentiu
os dentes dela enterrarem-se em seu lábio inferior, a dor foi
terrível. Ted afastou-se, sentindo o gosto do sangue e a ferida no
lábio. Ergueu-se pela metade e deu-lhe um tapa no rosto, depois com
as costas da mão no outro lado. Encontrou-a lá embaixo, enfiou e
estocou, pondo a boca de volta na dela. Prosseguiu em selvagem
vingança, de vez em quando recuando a cabeça e olhando-a. Tentou
segurar, se conter, e agora via aquela nuvem de cabelos cor de
morango espalhados no travesseiro ao luar.
Ted
gemia e suava como um ginasiano. Era aquilo. Nirvana. O lugar a se
alcançar. Victoria continuava calada. Os gemidos de Ted foram
diminuindo, e então, após um instante, ele rolou para o lado.
Ficou
fitando a escuridão.
Esqueci
de chupar os peitos dela, pensou.
Então
ouviu a voz dela.
– Sabe
de uma coisa? – ela perguntou.
– Que
é?
–Você
me lembra um daqueles cavalos de quarto de milha.
– Que
quer dizer?
– Tudo
acaba em dezoito segundos.
– A
gente corre de novo, boneca – ele disse…
Ela
foi ao banheiro. Ted limpou-se no lençol, o velho profissional.
Victoria era uma coisa meio desagradável, de certa forma. Mas podia
ser manobrada. Ele tinha alguma coisa. Quantos homens eram donos de
sua própria casa e tinham cento e cinquenta mil paus no banco na sua
idade? Ele era um número de classe, e ela sabia disso muito bem.
Victoria
saiu do banheiro ainda parecendo fresca, intocada, quase virginal.
Ted acendeu o abajur de cabeceira. Sentou-se e serviu dois drinques.
Ela sentou-se na beira da cama com sua bebida e ele desceu e
sentou-se na beira da cama junto dela.
– Victoria
– disse –, posso tornar tudo bom pra você.
– Acho
que você tem lá seus meios, Buda.
– E
vou ser um amante melhor.
– Claro.
– Escuta,
devia ter me conhecido quando eu era jovem. Era durão, mas bom. Eu
tinha aquilo. Ainda tenho.
Ela
sorriu para ele.
– Ora,
vamos, Buda, não é tão ruim assim. Você tem uma esposa, você tem
um monte de coisas a seu favor.
– Menos
uma coisa – ele disse, enxugando sua bebida e olhando-a. – Menos
a única coisa que eu quero mesmo...
– Veja
o seu lábio! Está sangrando!
Ted
baixou o olhar para seu copo. Viu gotas de sangue na bebida e sentiu
o sangue escorrendo pelo queixo. Limpou o queixo com as costas da
mão.
– Vou
ao banheiro lavar isso, boneca, já volto.
Entrou
no banheiro, correu a porta do chuveiro e abriu a água, testando-a
com a mão. Parecia mais ou menos no ponto e ele entrou, a água
escorrendo dele. Via o sangue na água escorrendo para o ralo. Que
gata selvagem. Só precisava de uma mão forte.
Marie
era legal, era bondosa, na verdade meio chata. Perdera a intensidade
da juventude. Não era culpa dela. Talvez ele pudesse arranjar um
meio de continuar com Marie e ter Victoria por fora. Victoria
renovava sua juventude. Precisava de uma porra de uma renovação. E
de mais umas boas fodas como aquela. Claro, as mulheres eram todas
loucas. Não entendiam que vencer não era uma experiência gloriosa,
só necessária.
– Vamos
com isso, Buda! – ouviu-a gritar. – Não me deixe aqui sozinha!
– Não
demoro, boneca – ele gritou debaixo do chuveiro. Ensaboou-se bem,
lavando tudo.
Depois
saiu, enxugou-se, abriu a porta do banheiro e foi para o quarto.
O
quarto de motel estava vazio. Ela se fora.
A
distância entre os objetos comuns e entre os fatos era notável. De
repente, ele viu as paredes, o tapete, a cama, as cortinas, a mesa de
café, a penteadeira, o cinzeiro com os cigarros deles. A distância
entre essas coisas era imensa. O então e o agora estavam anos-luz
separados.
Num
impulso, ele correu para o armário e abriu a porta. Nada além de
cabides.
Então
Ted percebeu que suas roupas haviam desaparecido. A roupa de baixo, a
camisa, as calças, as chaves do carro e a carteira, seu dinheiro,
seus sapatos, suas meias, tudo.
Em
outro impulso, olhou embaixo da cama. Nada.
Então
viu a garrafa de Cutty Sark, pela metade, sobre a penteadeira, e
aproximou-se, pegou-a e serviu-se uma dose. E ao fazer isso viu duas
palavras riscadas no espelho da penteadeira com batom cor-de-rosa:
“ADEUS, BUDA!”
Ted
tomou a bebida, depôs o copo e viu-se no espelho – muito gordo,
muito velho. Não tinha ideia do que fazer em seguida.
Levou
o Cutty Sark de volta para a cama, sentou-se pesadamente na beira do
colchão onde ele e Victoria tinham-se sentado juntos. Ergueu a
garrafa e sugou-a, enquanto as vívidas luzes de néon do boulevard
entravam pelas persianas empoeiradas.
Ficou
sentado, olhando para fora, sem se mover, vendo os carros passarem de
um lado para outro.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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