Poucos livros são como este livro.
Aparentemente, igual a muitos. Mas se o abrires em qualquer página,
encontrarás de cada vez um texto diferente.
Ouvi que na Ásia há um livro com a
mesma propriedade, e que nos Estados Unidos existiu outro, comprado a
um dervixe, mas que, pelo manuseio constante, não apresenta a
singularidade: ficou um livro como os demais, unívoco.
O exemplar que possuo, não deixo que
ninguém o consulte. Zelo por sua integridade, e só de longe em
longe me animo a folheá-lo. E é sempre um assombro.
Não o comprei. Achei-o no porão de uma
casa onde só havia trastes abandonados e teias de aranha. Ao
descobrir sua inacreditável raridade, fiquei trêmulo e guardei o
segredo até dos mais íntimos.
Este livro extraordinário me explicou o
sentido do mundo, que varia sempre e não se subordina a qualquer
filosofia. Explicação que não explica, pois sendo infinitas as
variações, qualquer delas só dura o tempo de leitura de uma
página, ou meia.
Não posso continuar guardando o volume,
e não sei o que fazer dele. Tenho medo de abri-lo; medo de rasgá-lo;
medo de que o furtem; medo de ler nele uma sentença aniquiladora, a
última sentença, depois da qual o mundo deixaria de ser vário e,
portanto, de existir.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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