domingo, 13 de dezembro de 2020

O que temos nos bolsos?

          Um isqueiro, uma pastilha para tosse, um selo postal, um cigarro amassado, um palito de dente, um lenço de pano, uma caneta, duas moedas de cinco shekels. Isso é apenas uma fração do que eu tenho nos bolsos. Então é de se admirar que estejam tão estufados? Muita gente me chama a atenção sobre isto. Eles me dizem: “Puta merda, que você tem nos bolsos?” Na maioria das vezes eu não respondo, apenas sorrio, às vezes até dou uma risada curta e educada. Como se alguém tivesse me contado uma piada. Se persistissem na pergunta, provavelmente eu iria mostrar-lhes tudo o que tenho ali, poderia até mesmo explicar por que preciso ter todas essas coisas comigo, sempre. Mas eles não fazem isso. Puta merda, um sorriso, uma risada curta, um silêncio constrangedor, e já estamos no assunto seguinte.
O fato é que tudo o que tenho nos bolsos é cuidadosamente escolhido para que eu esteja sempre preparado. Tudo está lá para que eu possa estar em vantagem no momento exato. Na verdade, não é bem assim. Tudo está lá para que eu não fique em desvantagem no momento exato. Porque que tipo de vantagem um palito de dente de madeira ou um selo postal podem realmente proporcionar? Mas se, por exemplo, uma garota bonita – sabe de uma coisa, nem bonita, apenas charmosa, uma garota de aparência comum, mas com um sorriso fascinante de tirar o fôlego – te pede um selo, ou nem sequer pede, se apenas está na rua parada ao lado de uma caixa vermelha de correio em uma noite chuvosa com um envelope sem selo na mão e pergunta se você sabe onde há um posto de correios aberto àquela hora, e, em seguida, tosse um pouco porque está com frio, mas também desesperada, uma vez que, no fundo do seu coração, sabe que não há nenhuma agência de correio aberta na região, com certeza não naquela hora, e nesse momento, nesse exato momento, ela não vai dizer “Puta merda, que você tem nos bolsos?”, mas ficará muito grata pelo selo, talvez nem mesmo grata, ela vai apenas sorrir aquele seu sorriso fascinante, um sorriso fascinante em troca de um selo postal – eu estaria pronto a fechar um negócio destes em qualquer momento da minha vida, mesmo que o preço dos selos suba e o preço dos sorrisos despenque.
Após o sorriso, ela vai dizer obrigada e tossir de novo, por causa do frio, mas também porque está um pouco envergonhada. E vou oferecer-lhe uma pastilha para tosse. “O que mais você tem nos bolsos?”, ela perguntará, mas de forma suave, sem o “puta merda” e sem a negatividade, e vou responder sem hesitar: tudo o que você precisar, meu amor. Tudo o que você precisar.
Então agora vocês já sabem. É isso o que eu tenho nos bolsos. Uma chance de não estragar tudo. Uma mínima chance. Não grande, nem mesmo provável. Sei disso, não sou estúpido. Uma mínima chance de, vamos dizer, quando a felicidade chegar, poder dizer “sim” a ela, e não “Desculpe, eu não tenho um cigarro / palito / moeda para a máquina de refrigerantes”. É isso o que eu tenho ali, cheio e estufado, uma mínima chance de dizer sim e não me lamentar.

Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta

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