segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O Pacífico

          Quando, deslizando ao longo das ilhas Bashi, saímos afinal no grande Mar do Sul; não fosse por outros motivos, eu poderia ter celebrado meu querido Pacífico com incontáveis agradecimentos, pois então a longa querência de minha juventude fora atendida; aquele oceano sereno rolando a meu leste ao longo de milhares de léguas azuis.
Não se sabe que doce mistério existe naquele oceano, cujos tumultos gentilmente terríveis parecem falar de um espírito oculto em suas profundezas; como as lendárias ondulações do relvado Efésio sobre o sepulto São João Evangelista. E é justo que, sobre esses pastos marinhos, sobre a água que rola por essas grandes pradarias e por sobre as valas de indigentes dos quatro continentes, as ondas ascendam e caiam, fluam e refluam incessantes; pois aqui milhares de sombras e trevas, sonhos afogados, sonambulismos, devaneios; tudo o que chamamos existências e almas jaz sonhando, sempre sonhando; revirando-se como os adormecidos em seus leitos; as ondas incessantes são assim geradas por suas inquietudes.
Para qualquer Feiticeiro, andarilho e pensativo, este plácido Pacífico, uma vez contemplado, deve se tornar para sempre seu mar de adoção. Agita-se em meio às águas mais centrais do mundo, com o Índico e o Atlântico formando meramente seus braços. Essas mesmas ondas lavam os quebra-mares das recém-construídas cidades da Califórnia, somente ontem fundadas pela mais nova estirpe de homens, e banham as fronteiras apagadas, porém maravilhosas, das terras Asiáticas, mais antigas do que Abraão; enquanto ao centro tudo flutua entre as vias-lácteas das ilhas de corais, e os planos, infinitos e desconhecidos Arquipélagos e os insondáveis Japoneses. Assim esse misterioso e divino Pacífico cinge quase toda a vastidão do mundo; faz de todas as costas uma única baía; parece a maré pulsante do coração da terra. Soerguido por tais ondas eternas, você não pode deixar de reconhecer o deus sedutor, inclinando sua cabeça diante de Pã.
Todavia, poucas ideias de Pã atormentavam o cérebro de Ahab, enquanto, ereto como uma estátua de ferro em seu lugar costumeiro, junto ao cordame de mezena, sem perceber inspirava com uma narina o almíscar açucarado das ilhas Bashi (em cujos bosques perfumados deviam caminhar ternos amantes) e com a outra inalava conscientemente a baforada salgada do oceano recém-descoberto; oceano em que a odiada Baleia Branca devia estar nadando naquele momento. Arremessado por fim sobre essas águas quase finais, e deslizando em direção à zona de cruzeiro Japonesa, o propósito do velho intensificou-se. Seus firmes lábios se uniram como os lábios de um torno; o Delta das veias de sua fronte inchou como riachos transbordantes; e mesmo durante o sono seu grito retumbante atravessou o casco inclinado, “Todos à ré! A Baleia Branca esguicha sangue denso!”.

Herman Melville, in Moby Dick

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