Lauro Contreras era o melhor peão da
estância — disso ninguém duvidava, diziam os demais ao apresentar
aquele homem de jeito sério, que hoje respondia por sota-capataz da
Estância do Silêncio.
Afilhado do velho Aparício, aprendera
com seu padrinho o ofício de administrar os campos, de realizar as
compras e as vendas, de cuidar das plantações e dos negócios. Mas
foi com o capataz da estância, o seu Euleutério, que viu o que era
ser gaúcho de fato: o velho lhe ensinou a domar, a tropear, a
esquilar, lidar com cordas, com remédios e benzeduras, aprendeu a
barrear ranchos e trabalhar com palha de santa-fé. Não era
orgulhoso — quando não sabia algo, pedia que lhe ensinassem.
Lauro Contreras era respeitador e
divertido. Mas o homem, normalmente sereno e de sorriso fácil,
virava um verdadeiro touro quando provocado. Ao completar vinte anos,
foi nomeado sota-capataz, e seu padrinho oferecera uma festa apenas
para a peonada. Até alguns de fora apareceram para comemorar. Mas
onde tem trago ‘a lo largo’, sempre tem algum bochincho. Daquela
feita, não foi diferente.
Anos depois, o padrinho ainda contava,
orgulhoso, a famosa peleia do aniversário: tinha oferecido um
churrasco para que os peões comemorassem o aniversário de seu
afilhado. O aniversariante puxara a faca da cintura para tirar mais
uma lasca do assado oferecido pelo padrinho. Sorria com o beiço
engraxado da carne de ovelha e ria das bravatas e causos que a
gauchada contava. Um dos de fora, que estava na estância apenas pra
pernoitar, mirava a todos, assim como quem olha sem ver. Euleutério
resolvera então contar alguma de suas famosas histórias com as
chinas:
— ... e não é que levei a muchacha na
garupa? — dissera aos risos. — O topetudo que queria briga ficou
solito. Mas isso eram outros tempos... O pobre Euleutério não
pode mais nem com a nêga velha!
Estouraram as risadas em volta do fogo.
— Se bem que se me viesse uma nêga
nova, talvez ainda saísse uma rapa do tacho, hein? — dissera isso
e jogara-se no banco, recuperando o fôlego, enquanto tomava mais um
trago de canha.
— Nova por nova, me servia uma dessas
guria da casa — respondera um forasteiro, soprando calmamente a
fumaça de seu palheiro.
De repente, fez-se o silêncio na roda e
somente se escutavam os estalares do fogo. Lauro encarou o outro,
mais firme que palanque de segurar touro brabo.
— Pois, as moças da casa têm cruz no
lombo, não são pra montar — atirou as palavras como se fossem um
soco.
— Pra mim, só não se monta na mãe da
gente — disse o outro, querendo briga.
Lauro Contreras explodiu em ira e, quando
se atirava para a briga, foi segurado pela peonada.
— Me larguem! Vou ensinar este atrevido
a respeitar as gentes da casa!
— Não vamos fazer esparramo por pouca
coisa, homem — disse o capataz.
O gaúcho estava com as faces vermelhas e
fazia toda a força do mundo para desvencilhar-se dos braços que o
seguravam.
— Deixa que venha, no más, que aqui
tem parelha! — provocava o forasteiro, enquanto desembainhava um
punhal.
Euleutério olhou pro bravateiro e disse:
— Te enforquilha no teu pingo e toma
teu rumo agora, paisano. Antes que eu mande soltar o homem.
— Por mim — respondeu o outro com
indiferença. Assim que guardou o punhal, foi surpreendido pelo soco
do Lauro, que finalmente escapou dos que o seguravam. O golpe foi tão
forte que o homem caiu desmaiado no chão. Lauro escarrou na sua cara
e disse:
— Levanta animal! Mas que inferno!
Covarde! Quando a peleia vai se aprontar tu te achica! Covarde!
— O que se passa? — perguntou
Aparício Bueno, que vinha chegando para averiguar o rebuliço. Não
costumava se intrometer nas festas da peonada, mas a gritaria era
tanta que precisou intervir.
O capataz narrou toda a história para o
patrão.
— Coloquem este homem por sobre os
arreios e façam com que o cavalo corra pra longe daqui. Aqui na
minha casa não quero esta imundície nem mais um minuto. — ordenou
— E vosmecê, seu Lauro, passe no escritório que temos que
conversar. Tem um senhor esperando vosmecê por lá.
Lauro olhou para a gauchada, surpreendido
com o repentino convite, e acompanhou seu padrinho. No galpão, os
peões seguiram a comemoração.
R. Tavares, in Andarilhos
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