sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Ilan

          Minha namorada, quando chega ao orgasmo, grita “Ilan”. Não uma vez só, muitas. “Ilan-Ilan-Ilan-Ilan!” Isto é legal, porque sou nascido e criado Ilan. Mas às vezes eu gostaria que ela dissesse alguma outra coisa, não importa o quê. “Meu amado.” “Me rasga ao meio”, “Para, não aguento mais”, ou até mesmo a velha súplica “Não para!”. Seria muito bom ouvir algo diferente, de vez em quando, algo específico em relação à situação – uma emoção um pouco mais ligada ao ato em si. Minha namorada estuda Direito em uma faculdade particular. Ela queria ir para uma grande universidade, mas não foi aceita. Planeja se especializar em direito contratual. Isso existe, advogados que tratam só de contratos. Não se encontram com pessoas, não vão ao tribunal, só ficam sentados o dia todo olhando sucessivas linhas escritas no papel, como se isto fosse o mundo.
Quando aluguei o apartamento, ela estava comigo e, em um minuto, notou que o proprietário do imóvel tentava nos enrolar em alguma cláusula. Eu jamais teria prestado atenção, mas ela percebeu em um segundo. Ela é assim, minha namorada, muito perspicaz. E como tem orgasmos. Nunca vi nada igual em toda a minha vida. Voa em todas as direções, totalmente desenfreada. Como alguém que levou choques elétricos. E também treme de forma incontrolável, no rosto, no pescoço, na planta dos pés. Como se todo o seu corpo tentasse dizer obrigado e não soubesse como.
Certa vez perguntei o que ela gritava quando gozava com outros homens, antes de mim. Com um olhar surpreso, ela disse que com todos gritava “Ilan”. Sempre “Ilan”. Insisti e perguntei o que ela gritava quando tinha orgasmo com aqueles que não se chamavam Ilan. Ela pensou por um instante e disse que nunca tinha transado com alguém que não se chamasse Ilan. Ela já saíra com vinte e oito rapazes, eu incluído, e todos, agora que pensava a respeito, se chamavam Ilan. Depois que ela disse isso, ficou calada. “É uma tremenda coincidência”, eu disse. “Ou talvez você nos escolha assim, Ilans.” “Talvez”, ela disse pensativa, “talvez”.
A partir daquele dia comecei a ficar mais atento a todos os Ilans ao meu redor: o do banco, o meu contador, aquele abusado que sempre aparece de manhã no nosso café e me pede para tirar o caderno de esporte. Não fiz um alarde disso, só registrei na minha cabeça Ilan + Ilan + Ilan. Porque no fundo no fundo, eu sabia que quando o caos se desencadeasse, caso de fato se desencadeasse, seria a partir de um deles.
Estranho, mas já lhes contei tanto sobre a minha namorada e não disse sequer o nome dela. Como se não tivesse nenhuma importância. Realmente não é importante. Se vocês me acordarem no meio da noite, não será o nome dela que virá em minha mente. Tenho certeza de que será este olhar meio de surpresa que ela tem um segundo antes de começar a chorar; a bunda dela; o jeito encantador que sempre fala, como uma menina, “Queria te dizer uma coisa”, antes de falar sobre algo que a emociona. Ela é fantástica, a minha namorada, fantástica. Mas às vezes não tenho certeza de que esta história acabará bem.
O proprietário do nosso apartamento, aquele que quis nos engabelar no contrato, também se chama Ilan. Um cara com uns cinquenta anos, nojento, que recebeu de herança da falecida avó um prédio inteiro na rua Wormaisa e não faz mais nada além de recolher cheques dos inquilinos. Tem uns olhos azuis de aviador, cabelo prateado como uma nuvem. Mas ele não é aviador. Quando assinamos o contrato, ele me contou que prestou todo o serviço militar em Tsrifin, fazendo trabalho burocrático em uma base de transporte. Há poucos anos sua unidade de reserva desistiu de tentar localizá-lo.

Foi completamente por acaso que descobri que eles estavam trepando. Se ela não tivesse compartilhado comigo toda esta história dos Ilans, eu nem teria suspeitado. Quando peguei os dois em casa, ele estava na sala, completamente vestido, e disse que tinha vindo verificar se não estávamos destruindo sua propriedade. Mas depois que ele foi embora, eu a pressionei e ela confessou. Mas sem nenhuma culpa. Em tom factual e seco. Como alguém que diz que o ônibus da linha cinco não vai até a estação norte do trem. E assim que acabou de confessar, disse que queria me pedir algo. O que ela queria pedir era que fizéssemos aquilo uma vez juntos. Ele e eu, juntos.
Ela estava até disposta a fazer um acordo comigo. Se a gente fizesse aquilo apenas uma vez, ela nunca mais sequer olharia para ele. Apenas uma vez na vida ela gostaria de sentir dois Ilans de uma vez só dentro dela. Ele certamente vai concordar, já que é um pervertido entediado. Ela tem certeza disso. E no final, eu também concordarei, porque eu a amo. Realmente amo.
E eis por que me vejo na cama com o meu locador. Um instante antes de tirar a roupa, ele ainda chama a minha atenção para a persiana da cozinha, que não fecha bem e que é preciso lubrificar os eixos. Depois de um tempo, o corpo da minha namorada começa a tremer sobre mim e eu sinto que daqui a pouco ela vai gozar. E quando ela gritar, tudo ficará bem, porque o nosso nome é realmente Ilan. Mas jamais saberemos se o grito dela será por mim ou por ele.

Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta

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