Às vezes eu olho para algumas pessoas e,
a princípio, fico maravilhada. A combinação da roupa, o cabelo, os
acessórios, que gente fantástica. Por que eu nunca fico assim, por
mais que eu me arrume?
Vejo aquelas pessoas que comem umas
coisas estranhas. Posta de enguia com redução de balsâmico. Barra
de proteína importada da Holanda. Pudim de chia com cranberry e
physalis. Postam fotos fantásticas no Instagram. Fico olhando, me
achando muito ignorante mesmo.
Reparo que certas pessoas parecem fotos
de Instagram na vida real. Elas estão sempre na posição certa, com
a luz certa, com a roupa certa e a comida certa na hora certa. Elas
fazem tudo tão aparentemente certo. Malham às 6 da manhã. Nunca
estão em casa no sábado à noite. Pedalam no domingo. Bebem bebidas
bonitas.
É um tipo novo: as “pessoas
lifestyle”. Tudo nelas é digno de um post em redes sociais. Da
hora em que acordam até a hora em que dormem. E, se bobear, alguém
ainda os fotografa dormindo serenamente.
Mas eu… Eu não.
Eu costumo estar atrasada. E carrego um
monte de tralha. (Eles nunca carregam tralha.) Minhas roupas não são
propriamente cafonas, mas, na dúvida, eu aposto em tudo preto,
porque nunca saberei harmonizar estampas.
Eu acordo com o cabelo amassado. Eu como
pão com manteiga. Eu almocei rolo de carne com purê. Eu prendo o
cabelo para poder lavar só à noite. Eu não vou à academia tanto
quanto deveria. E, quando vou, não posto foto. Sábado à noite eu
às vezes estou de pijama. Às vezes estou na minha avó. Às vezes
estou estudando. Às vezes estou embriagada e nenhuma foto sai boa.
Tem algo de muito estranho num mundo no
qual a gente se sente estranho por ser normal.
Ser uma pessoa impecável, um post na
vida real, é uma escolha. Ser uma pessoa lifestyle, que não molha o
cabelo na piscina para divar nas fotos, que acorda uma hora mais cedo
para escolher a roupa, que come o que é mais fotogênico e não o
que é mais gostoso, que checa a cada cinco minutos se a aparência
está ideal, pode ser interessante para alguns. Não para mim.
Eu não tenho tempo para isso. Na
verdade, nem tempo nem interesse. Eu tenho que guardar as roupas que
ficaram em cima da cama. Tenho que passar no banco. Pode ser que eu
pise num chiclete. Que entre um cisco no meu olho. Que uma semente do
kiwi fique entre meus dentes.
Não, eu nunca serei digna de um estilo
de vida a ser compartilhado. Não nasci para ter lifestyle. Eu nasci
para sentir o vento bater no rosto sem me preocupar se o cabelo vai
bagunçar. Nasci para deitar na grama sem me preocupar se a roupa é
clara. Nasci para chorar fora de hora e ficar com a cara inchada.
Nasci para chorar de rir. Para suar. Para lavar louça. Para
trabalhar até tarde. Para regar minhas plantas. Para colocar pijama,
requentar o jantar de ontem e abraçar quem eu amo. E isso é o que
chamam de vida, e não o tão cobiçado lifestyle.
Ruth Manus, in Um dia inda vamos rir de tudo isso
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