Acho
que toda bula de remédio devia ser assim: uma explicação fácil
com letra grande. Ao terminar a leitura, o doente deveria ficar
sabendo mais sobre o medicamento. Mas as bulas dos remédios, não
sei para quem são escritas. Para os doentes? Com todas aquelas
palavras complicadas escritas em letras tão pequenas que exigem uma
lupa? Não, não são escritas para as pessoas que compram o remédio.
Também não são escritas para os médicos, pois, se eles receitam o
dito é porque já o conhecem, sabem o que faz e não faz. Os
laboratórios imprimem aquelas bulas, eu acho, por razões legais. Se
um paciente toma um remédio errado e dá um revertério, ele não
poderá apelar para a Justiça. O laboratório se defende: a culpa é
do paciente. Estava tudo escrito na bula... Sendo inúteis as bulas,
acho que a maioria faz o que eu faço: jogo as bulas fora com dor de
consciência, porque ela é escrita em papel que veio de uma árvore
que teve de ser cortada... Bulas boas eram as antigas, como a do
miraculoso Elixir de Nogueira – o retrato do doutor Nogueira,
bigodes retorcidos, impresso no rótulo, um “santo remédio”, que
é “eficaz no tratamento de escrófulas, darthros, boubas,
inflamações do útero, corrimento dos ouvidos, gonorrhéas,
fístulas, espinhas, cancros venéreos, rachitismo, flores brancas,
úlceras, tumores, sarnas, rheumatismo em geral, manchas da pelle,
affecções do fígado, dores no peito, tumores nos ossos,
latejamento das artérias”... Lendo a bula do Elixir de Nogueira,
dou-me conta de que a medicina regrediu. Que medicamento, hoje,
científico, pode prometer curas para tantas doenças diferentes?
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
Nenhum comentário:
Postar um comentário