Por
esses dias li uma citação do Flaubert sobre a insuficiência da
linguagem, em que ele diz que a fala humana é como um caldeirão
rachado no qual tiramos sons que fazem ursos dançar, quando o que
queremos é mover as estrelas. A citação estava em inglês, não
garanto a fidelidade ao francês original. O que Flaubert disse da
fala vale para a literatura, mesmo esta pequena literatura em poções
da crônica, diária ou semanal. Até os menos pretensiosos entre nós
têm a secreta ambição de acordar o universo com o seu caldeirão
rachado, e devem se resignar a, eventualmente, fazer dançar um urso.
Ou, com sorte, dois ou três.
Seria
um ofício respeitável, produzir música para ursos sem outras
intenções. Os ursos, ao contrário dos cronistas, não têm a menor
vontade de afetar as estrelas com a sua existência, ou com os seus
ruídos. Preocupam-se com as suas circunstâncias, com o seu alimento
e o seu abrigo, e com os outros ursos. Contam com os nossos sons para
os entreter e, vez que outra, iluminar, ou irritar, e não querem
saber se o nosso, por assim dizer, público-alvo prioritário esteja
nas esferas celestiais. Flaubert se referia à incapacidade de o
homem expressar tudo o que sente com um instrumento imperfeito como a
linguagem (embora “caldeirão rachado” seja perfeito), mas também
poderia estar escrevendo sobre o desencontro entre a intenção e a
percepção da linguagem, ou sobre a impossibilidade da comunicação
humana resumida na incurável assincronia entre escritor e leitor.
Pois
os ursos dançarem com os sons que fazemos é o resultado, antes de
mais nada, de um tremendo mal-entendido. No fundo, o que você está
fazendo, lendo esta crônica, é um ato de bisbilhotice. Ela não é
para você. Nem é para dançar. Pare imediatamente.
Não
há notícia de um escritor que tenha movido as estrelas com suas
palavras. Nem mesmo Flaubert. Alguns tiveram a ilusão de terem
mudado a vida dos ursos, e assim de alguma maneira afetado o
Universo. Mas foi só um consolo.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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