segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Idílio funesto

A maior tristeza de Gregório era não entender a língua dos sapos brasileiros, que ele sabia ser muito rica em expressões idiomáticas, e particularmente aberta a efusões amorosas.
Se eu aprendesse um pouco das finezas da língua deles”, lastimava-se, “seria o mais afortunado dos amantes, além de brilhar em tertúlias, pelo pitoresco de minha conversa. Mas dos sapos sei quase nada, e as mulheres não parecem dispostas a conceder-me seus favores por esse mínimo que adquiri passando noites em claro à margem do brejo.”
Um sapo condoeu-se de sua ignorância específica, e prometeu dar-lhe aulas intensivas por duas semanas, findas as quais Gregório se tornaria conversador cintilante e conquistador irresistível.
Mas o sapo não nascera para professor, e tudo se turvou na cabeça do aluno, que aprendeu apenas a coaxar, sem modulação nem sintaxe. Ganhou apelido de “Sapinho” porque era de porte reduzido. Renunciou à convivência humana e foi morar em frente ao brejo. Numa noite de luar, uma rã escutou sua algaravia, apaixonou-se por ele, e foram viver juntos. Os sapos, indignados, mataram-no. A rã admite que fez mal em se deixar seduzir por erros de linguagem: imaginara estar ouvindo um português mavioso.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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