“–
Mas
que horror de homem! – me escapou, e os olhos claros da mulher
loura me censuraram antes de seus lábios explicarem.
–
Perdeu
as estribeiras. Ele não é assim. Ultimamente as coisas não andam
bem para o seu lado e está
com uma paranoia
gravíssima. Alguém disse que o pior que pode acontecer com um
paranoico
é ser perseguido de verdade. De qualquer modo, o problema é meu e
muito obrigada.
– Você
é enfermeira?
– Como
percebeu?
– Pelas
meias brancas.
– Tenho
o título e faço algumas substituições, como agora. É duro lutar
por uma vaga. São milhares de candidatos para cada emprego e isso
numa sociedade com expectativa de vida de mais de setenta anos.
– Acha
que é expectativa demais?
–
Depende
da vida que você levar.
A
conversa era entre eles dois e eu estava alucinada porque tinha
acabado de descobrir que Pedro era um homem que podia sentir-se
atraído por uma garota loura, de olhos claros e lábios rosados. Ela
tinha projetos. Inscrever-se nos Médicos Sem Fronteiras e tentar
melhorar o nível de vida dos condenados da Terra, expressão que
repetiu três vezes. Gostava dela. Era bonita e me emocionou. Os
condenados da Terra! Havia superado a comoção do desagradável
encontro e, estimulada por nossas perguntas, Myriam disse coisas
brilhantes e muito instigantes. Por exemplo, que sua liberdade sem a
dos outros não era liberdade e que isso deveria se estender à
satisfação das necessidades, até mesmo dos prazeres.
– Isso
é muito bonito. Muito cristão – exclamei entusiasmada.
–
Procuro
praticar o que digo sem necessidade de ser cristã. O cristianismo é
um mero hábito cultural.”
Manuel
Vázquez Montalbán, in Erec e Enide
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