Viagem - 1970
Certamente muitas vezes nós já cometemos algumas
injustiças na vida, mesmo que sejam involuntárias ou não cheguem a prejudicar
alguém, elas fazem parte de nossa mania de julgar as pessoas ou algo, seja uma
obra arte, uma música, ou alguns compositores e intérpretes que na maioria dos
casos passam a história como incompreendidos. Na música popular brasileira
temos o caso típico de Taiguara um compositor/intérprete cuja trajetória ainda
não foi totalmente revista devido a sua necessidade de ser entendido em plenitude,
contudo essa incompreensão que norteou a sua obra reside para alguns em função
da sua atitude de um certo modo panfletária nos últimos anos de vida e que
poderia levar a esse conceito, mas, sobretudo o que ficou evidente foi a
injustiça que se fez ao não se reconhecer nele, e isso aqui não é uma
generalização, um dos mais coerentes compositores brasileiros contemporâneos.
Desde o tempo dos Festivais onde era presença obrigatória defendendo inúmeras
canções, sejam suas ou não, que Taiguara já demonstrava a força de seu vigor
como intérprete e compositor talentoso.
Seus discos eram muito bem produzidos com belas
melodias, geralmente acompanhadas por ele ao piano, e suas letras de um primor
poético que o destacava em sua geração e com um detalhe que deve ser lembrado,
pois, não é um fato corriqueiro na música popular brasileira, praticamente toda
sua obra é de autor único, ou seja, sem parcerias. Desde o primeiro disco
lançado em 1965 com destaque para a música Samba de copo na mão que os elogios
ao seu trabalho era uma unanimidade no meio artístico favorecendo dessa forma a
sua ascensão e firmando seu estilo. Suas canções românticas faziam parte de um
repertório obrigatório dos anos sessenta e inebriavam de ternura e encantamento
todos a que elas se debruçavam para tirar de suas lindas melodias e
preciosidades literárias um motivo a mais para se orgulhar de nossa canção, que
àquela época era riquíssima em compositores e intérpretes e onde Taiguara se
impunha como um de seus elementos mais destacados.
Em 1970 já plenamente consagrado ele lança o LP
Viagem, sem dúvida um marco em sua carreira e um dos discos fundamentais para
conhecer melhor sua trajetória e também um dos trabalhos mais significativos da
música brasileira. Com orquestração dos maestros Lindolfo Gaya e Leonardo
Bruno, além da participação especial do Som Imaginário, diga-se, Wagner Tiso,
Robertinho, Tavito, Luis Alves, Laudir, Zé Rodrix e Nivaldo Ornellas, o disco
inicia-se com Universo no teu corpo,
defendida por Taiguara no IV FIC e uma de suas músicas de maior sucesso,
prossegue com Maria do Futuro uma
balada encantadora, caminhando para Prelúdio
Nº 2, também conhecida como Paz do
meu amor, da autoria de Luiz Vieira, já um clássico de nossa canção em uma
magistral interpretação de Taiguara, tornando-a inclusive obrigatória em todas
as suas apresentações. A seguir ele nos brinda com A transa, música pouco conhecida de seu repertório, porém não menos
relevante e culmina com a canção título A
viagem, um de seus maiores sucessos e sem dúvida, um momento mágico de
inspiração em sua carreira.
Mas muitas outras surpresas nos esperam neste
notável trabalho, e desde logo devemos prestar bem atenção aos versos de
Geração 70, música que retrata de maneira magnífica o pensamento e os anseios
de uma juventude que clamava por esperança e liberdade, absolutamente
necessária para se conhecer aqueles anos complicados. Em O velho e o novo, uma apaixonante e comovente homenagem ao seu pai,
que participa tocando bandoneon e a todos aqueles que já estão no outono da
vida. Numa época em que os talentos se multiplicavam, Taiguara, não se furta em
ajudar a consolidar algumas carreiras que se iniciam e empresta seu prestígio
interpretando Em algum lugar do mundo,
de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza e Dia
5, de Ruy Maurity e José Jorge, além de interpretar de forma magnífica Gente humilde, canção de Garoto com
letra de Vinicius de Moraes e Chico Buarque, por fim o grand finale em Tema de Eva, musica instrumental que
reafirma todo o seu talento criativo.
Para se compreender a carreira de um artista é
necessário debruçar-se sobre sua obra, perceber sua ideologia, localizá-lo em
seu tempo histórico, e então julgá-lo com isenção, ouvindo, portanto este
trabalho de Taiguara podemos verificar como ele estava integrado à sua época e
redescobrir um compositor e um intérprete que precisa ter seu valor apreciado
pelas novas gerações, afinal de contas, quem é que não se lembra de suas lindas
baladas, páginas belíssimas de nossa canção idealizadas num tempo em que apesar
de difíceis, ele conseguiu que se tornasse romântico sem alienação e nem
proselitismo barato, apenas compondo e cantando, pois esse era o seu ofício e
ele o conduziu magistralmente de forma coesa em todos os seus trabalhos
enquanto esteve entre nós, vamos então lembrar-nos desse talento e fazer uma
viagem ao seu mundo mágico de sons e poesia.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br
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