terça-feira, 6 de março de 2012

Um disco fundamental da MPB


Taiguara
Viagem - 1970


Certamente muitas vezes nós já cometemos algumas injustiças na vida, mesmo que sejam involuntárias ou não cheguem a prejudicar alguém, elas fazem parte de nossa mania de julgar as pessoas ou algo, seja uma obra arte, uma música, ou alguns compositores e intérpretes que na maioria dos casos passam a história como incompreendidos. Na música popular brasileira temos o caso típico de Taiguara um compositor/intérprete cuja trajetória ainda não foi totalmente revista devido a sua necessidade de ser entendido em plenitude, contudo essa incompreensão que norteou a sua obra reside para alguns em função da sua atitude de um certo modo panfletária nos últimos anos de vida e que poderia levar a esse conceito, mas, sobretudo o que ficou evidente foi a injustiça que se fez ao não se reconhecer nele, e isso aqui não é uma generalização, um dos mais coerentes compositores brasileiros contemporâneos. Desde o tempo dos Festivais onde era presença obrigatória defendendo inúmeras canções, sejam suas ou não, que Taiguara já demonstrava a força de seu vigor como intérprete e compositor talentoso.
Seus discos eram muito bem produzidos com belas melodias, geralmente acompanhadas por ele ao piano, e suas letras de um primor poético que o destacava em sua geração e com um detalhe que deve ser lembrado, pois, não é um fato corriqueiro na música popular brasileira, praticamente toda sua obra é de autor único, ou seja, sem parcerias. Desde o primeiro disco lançado em 1965 com destaque para a música Samba de copo na mão que os elogios ao seu trabalho era uma unanimidade no meio artístico favorecendo dessa forma a sua ascensão e firmando seu estilo. Suas canções românticas faziam parte de um repertório obrigatório dos anos sessenta e inebriavam de ternura e encantamento todos a que elas se debruçavam para tirar de suas lindas melodias e preciosidades literárias um motivo a mais para se orgulhar de nossa canção, que àquela época era riquíssima em compositores e intérpretes e onde Taiguara se impunha como um de seus elementos mais destacados.
Em 1970 já plenamente consagrado ele lança o LP Viagem, sem dúvida um marco em sua carreira e um dos discos fundamentais para conhecer melhor sua trajetória e também um dos trabalhos mais significativos da música brasileira. Com orquestração dos maestros Lindolfo Gaya e Leonardo Bruno, além da participação especial do Som Imaginário, diga-se, Wagner Tiso, Robertinho, Tavito, Luis Alves, Laudir, Zé Rodrix e Nivaldo Ornellas, o disco inicia-se com Universo no teu corpo, defendida por Taiguara no IV FIC e uma de suas músicas de maior sucesso, prossegue com Maria do Futuro uma balada encantadora, caminhando para Prelúdio Nº 2, também conhecida como Paz do meu amor, da autoria de Luiz Vieira, já um clássico de nossa canção em uma magistral interpretação de Taiguara, tornando-a inclusive obrigatória em todas as suas apresentações. A seguir ele nos brinda com A transa, música pouco conhecida de seu repertório, porém não menos relevante e culmina com a canção título A viagem, um de seus maiores sucessos e sem dúvida, um momento mágico de inspiração em sua carreira.
Mas muitas outras surpresas nos esperam neste notável trabalho, e desde logo devemos prestar bem atenção aos versos de Geração 70, música que retrata de maneira magnífica o pensamento e os anseios de uma juventude que clamava por esperança e liberdade, absolutamente necessária para se conhecer aqueles anos complicados. Em O velho e o novo, uma apaixonante e comovente homenagem ao seu pai, que participa tocando bandoneon e a todos aqueles que já estão no outono da vida. Numa época em que os talentos se multiplicavam, Taiguara, não se furta em ajudar a consolidar algumas carreiras que se iniciam e empresta seu prestígio interpretando Em algum lugar do mundo, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza e Dia 5, de Ruy Maurity e José Jorge, além de interpretar de forma magnífica Gente humilde, canção de Garoto com letra de Vinicius de Moraes e Chico Buarque, por fim o grand finale em Tema de Eva, musica instrumental que reafirma todo o seu talento criativo.
Para se compreender a carreira de um artista é necessário debruçar-se sobre sua obra, perceber sua ideologia, localizá-lo em seu tempo histórico, e então julgá-lo com isenção, ouvindo, portanto este trabalho de Taiguara podemos verificar como ele estava integrado à sua época e redescobrir um compositor e um intérprete que precisa ter seu valor apreciado pelas novas gerações, afinal de contas, quem é que não se lembra de suas lindas baladas, páginas belíssimas de nossa canção idealizadas num tempo em que apesar de difíceis, ele conseguiu que se tornasse romântico sem alienação e nem proselitismo barato, apenas compondo e cantando, pois esse era o seu ofício e ele o conduziu magistralmente de forma coesa em todos os seus trabalhos enquanto esteve entre nós, vamos então lembrar-nos desse talento e fazer uma viagem ao seu mundo mágico de sons e poesia.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

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